quarta-feira, março 01, 2017

(DL) A quotidiana leitura do mais recente romance de Paul Auster (V)

O acaso fez-me concluir no mesmo dia a leitura de «4, 3, 2, 1» de Paul Auster e de «A Louca da Casa» de Rosa Mantero com ambos a abordarem a mesma temática: protagonizamos as nossas vidas, mas elas baseiam-se nos acasos. Se o meu pai tivesse ficado em Vila Nova de Gaia em vez de vir com a família para a Caparica nunca teria conhecido a minha mãe e eu não teria nascido. Mas, mesmo nascido se o meu amigo Gilberto não tivesse um primo, que escapara ao recrutamento para as guerras de África matriculando-se na Escola Náutica, provavelmente nunca me lembraria dessa possibilidade, que me fez passar duas dúzias de anos a navegar nos oceanos e mares de todo o mundo. O que teria acontecido se houvesse imitado o meu amigo Vítor, que passou a fronteira a salto e só parou em Lund, na Suécia, onde esperou pelo fim do fascismo e da guerra colonial? Que outra personalidade teria sido a minha, decerto diferente da que me trouxe até aos sessenta anos?
Existimos, pois, no que somos, mas foram múltiplas as hipóteses de termos sido outros com histórias de vida completamente diferentes. No caso das de Archie Ferguson ainda terei matéria para mais uns quantos textos diários.
Detenhamo-nos na versão em que ele tem em Amy a sua primeira parceira amorosa, mas muito sofre quando ela lhe propõe uma pausa por se sentir tentada a experimentar outras alternativas.
“Final de novembro de 1964 a meados de abril de 1965: um tempo sem sexo e sem amor, um tempo de interioridade e solidão incorpórea, um tempo de se obrigar, finalmente, a crescer, a pôr termo a tudo o que ainda o ligava à infância.” (pág. 384)
A vida adulta, passa-a a ver como preenchida na profissão de jornalista, que se lhe tornara evidente vocação ao arranjar emprego no «Montclair Times» como repórter desportivo.
O apoio dos pais torna-se difícil, porque os negócios de ambos  decaem, e eles veem-se obrigados a arranjar empregos em Newark, ela como fotojornalista e ele como empregado num grande armazém de produtos desportivos.
Após meses de sofrida ausência,  Amy regressa aos braços do jovem amante:
“E portanto o banido Ferguson deu mais uma vez por si nas boas graças da sua temperamental rainha, e porque ela decidiu que ele se tinha portado como nobreza durante o seu exílio, sem cartas nem telefonemas de súplica, sem exortações lamurientas para ser restabelecido á sua posição na corte, as primeiras palavras que lhe disse quando ele foi a Nova Iorque vê-la na noite seguinte foi ‘Tu  és o meu mais-que-tudo Archie, o meu absoluto mais-que-tudo’, e porque começou a chorar assim que ele a abraçou, Ferguson desconfiou que a vida tinha sido um pouco difícil para ela nos últimos quatro meses e meio, que havia coisas que tinha vergonha de ter feito, sem dúvida coisas relativas a sexo, e por esse motivo decidiu não lhe fazer nenhuma pergunta..” (pág. 404)
À procura do tempo perdido, Archie e Amy vão passar um mês inteiro a Paris.

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