Em 1976 a Argentina passava a ser governada por uma ditadura militar, que prende e tortura os seus opositores. O excelente filme de Marcelo Piñeyro mostra a odisseia de uma família, que se esconde numa área rural longe das grandes cidades. E quem nos serve de guia nessa viagem ao passado doloroso de tantas famílias argentinas é um menino de dez anos, Harry, cujo pseudónimo resulta do seu fascínio pela personalidade de Houdino, o mago especialista em fugas.
Os pais - ele um advogado e ela uma cientista - estão cientes dos perigos por que passam dado o desaparecimento de tantos amigos. Por isso adoptam novas identidades e tentam levar uma vida normal, ainda que acompanhados por um jovem estudante de quem Harry se tornará amigo: Lucas.
O único momento de verdadeira descontracção, encontram-no quando voltam a casa do avô paterno sob pretexto do seu aniversário. Embora a mãe continue a fumar incessantemente e o Pequenote urine noite após noite na cama.
Estamos, pois, confrontados com a realidade de um tempo sinistro em que Videla leva por diante a guerra suja contra quem anseia por uma sociedade mais justa, matando cerca de trinta mil pessoas. E o título refere-se à região do nordeste russo, que constitui a derradeira fronteira para quem resiste contra tudo e contra todos num jogo de estratégia partilhado entre pai e filho mais velho. Um título, que faz, pois, alusão à situação da família disposta a um acto de desafio antes de sua queda final.
Kamchatka pertence a um conjunto de filmes, que cuida dos tempos de repressão através da utilização de metáforas sem recorrer a um discurso militante ostensivo. E consegue ser extremamente sugestivo não deixando esquecer os crimes inspirados pelo sinistro Kissinger...
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