quinta-feira, junho 07, 2007

S. Petersburgo ou Leninegrado?

A cimeira de Heilingendamm, que decorre a partir de hoje na Alemanha, revelará um Vladimir Putin cioso do seu papel de guardião dos interesses de uma Rússia à procura do seu passado imperial.
Poder-se-á condená-lo por isso, como o fazem os comentadores políticos com maior visibilidade nos nossos media, alinhados que estão com a defesa do eixo euro-atlântico?
Embora ainda não tenha avançado para uma estratégia visivelmente a contracorrente dos conceitos vigentes da democracia formal - como já parece ser o caso de Hugo Chavez na Venezuela - o actual ocupante do Kremlin já terá interiorizado algumas conclusões óbvias: que nunca a Rússia foi tão forte a nível internacional como na época da sua supremacia imperial sob a designação de União Soviética.
Nem mesmo Catarina ou Pedro, o Grande, terão rivalizado em poderio com Estaline, sobretudo quando a Segunda Guerra Mundial se concluiu com a influência de Moscovo sobre um conjunto significativo de outras nações leste-europeias.
Da mesma forma, também nunca a generalidade do povo russo terá acedido a condições de vida tão favoráveis como nos tempos de Khrustchev, quando o regime soviético tendia a aligeirar os seus constrangimentos a nível da liberdade de expressão sem pôr em causa a plena ocupação dos cargos políticos pelo seu partido único. No fundo algo que o Partido Comunista Chinês está hoje a gerir com maior eficácia e melhores resultados.
Por outro lado, os dirigentes da Nato e do Pentágono também ajudaram Putin a consolidar um sentimento nacionalista já nele anteriormente formatado na sua passagem pelo KGB: essa pressa em estender a União Europeia ou as mais avançadas armas ocidentais até países com uma mentalidade muito pouco consonante com os valores civilizacionais dessa comunidade de nações - hoje bem demonstrada no totalitarismo dos gémeos polacos ou no racismo anti-russo dos países bálticos - só arreigou a sua convicção da urgência de outro caminho, que não o seguido pelo seu antecessor Ieltsin.
Começaram por padecer essa mudança de estratégia os oligarcas que, à conta da tal democracia à ocidental, se apossaram dos principais recursos naturais do país. Que os mais emblemáticos desses sujeitos estejam nas prisões siberianas ou nos exílios londrinos, prova bem quanto os actuais líderes russos viraram costas a uma forma de capitalismo assente no primado da propriedade privada.
Padecem-na, igualmente, os jornalistas cuja liberdade de argumentação em favor desses interesses privados, ficou seriamente condicionada com sucessivos atentados, que tendem a serem mais prudentes na forma como interpretam o seu papel na defesa dos superiores interesses da nação russa. Sobretudo, quando se mostravam tão lestos a dar credibilidade a terroristas islâmicos, que defendem a transformação da Chechénia em mais um foco do expansionismo do fascismo muçulmano.
Se antigas repúblicas soviéticas ganharam a independência para se transformarem em países a soldo de ditadores sem escrúpulos, que reduziram os seus povos a uma profunda miséria, o Kremlin não mostrará sinais de abertura para outras aventuras desse tipo. Nem sequer para as repúblicas, que a Geórgia reclama como suas.
Um factor de relevante importância fortalece Putin nas suas posições: num mundo em que as fontes de energia escasseiam, a Rússia ganha um poder significativo face a uma Europa sem outra alternativa, que não seja a de se abastecer aí ou nos instáveis países do Médio Oriente.
Será, pois, provável uma deriva progressiva das autoridades russas no sentido de uma redução das liberdades formais defendidas a ocidente. Que foi perdendo, pouco a pouco, a sua argumentação pró Direitos Humanos nos seus contactos com as autoridades de Pequim.
Num mundo em permanente mutação, o pragmatismo dos condicionalismos económicos tenderá a limitar as tentações em enfatizar questões, que outrora garantiram prestígio a Sakharovs ou a Soljenitsins.
Poderá até ocorrer o que, ainda há pouco tempo, se afigurava improvável: a redenção dos antigos líderes soviéticos: no fundo talvez não falte muito para que S. Petersburgo volte a chamar-se Leninegrado. Quanto mais não seja por ter sido na cidade então assim chamada que o heroísmo russo escreveu uma das suas mais gloriosas páginas do século XX. E bem sabemos como todos os nacionalismos dão tanta importância aos símbolos.

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