sábado, junho 09, 2007

Joan Didion e o ano do pensamento mágico

Em 30 de Dezembro de 2003 a escritora Joan Didion vai conhecer a maior provação da sua vida: a morte inesperada do seu companheiro de quase quarenta anos de visa, John Gregory Dunne, que sucumbe a um fulminante ataque cardíaco.
Nada a preparara para essa experiência, algo que ela quase sente como um «banal instante».
E, no entanto, esses eram dias bastante difíceis para o casal: a filha, Quintana, ainda estava num estado muito grave depois de ter contraído uma pneumonia, seguida de choque séptico, que a deixava em coma na Unidade dos Cuidados Intensivos do Beth Israel Hospital.
«O Ano do Pensamento Mágico» é o livro, que resulta da sua longa catarse, do seu lento renascer depois de, com a morte dele, se sentir quase morrer.
O tema é aliciante para quem já passou o meio século de vida e começa a pôr em causa a secreta expectativa de imortalidade.
É também um livro de uma enorme erudição: a autora investigou os comportamentos perante a morte, mormente a evolução histórica dessa vivência. Confirmando o que o historiador francês Philippe Ariés teorizou: nas nossas sociedades contemporâneas, em que tudo está canalizado para enfatizar a fruição dos prazeres da vida, a morte ganha foros de clandestinidade, de coisa quase obscena.
A atitude de Jane é muito contida: para o exterior, sabe que dá aparência de racionalidade na forma como fica sem o seu cúmplice. Mas essa contenção é relativa: mais do que contrôle das emoções, ela confessa uma certa forma de apatia. Como se, por um passe de mágica, se criassem as condições para a reversibilidade dos acontecimentos.
Há também um reviver do passado: aquelas palavras ditas por John nas suas últimas semanas de vida e que, interpretadas a posteriori, poderiam pressagiar um conhecimento inconsciente do desenlace iminente. Até porque o coração dele já andava periclitante: um pace maker procurava dar um comportamento normal a um órgão já muito desgastado.
Um exemplo disso mesmo é quando ele anda a tomar notas para um livro seu sobre as práticas desportivas e, sabendo-a igualmente com um projecto de contornos semelhantes, dissera à mulher para as aproveitar.
A leitura do livro pode comportar características voyeuristas: espreitamos como é que outrem viveu uma experiência pela qual nós temos bastantes probabilidades de passar. Mas o papel de leitor não é, afinal, a busca de respostas para o que nos inquieta nas palavras alheias?

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