sábado, junho 09, 2007

No S. Luiz: «Quando o Inverno Chegar»

Ao levantar o pano temos a floresta à nossa frente: troncos de árvores a denotarem uma densidade frondosa desse lugar fronteiro ao sanatório aonde Hans, Melchior e Emil esperam que a sua temperatura baixe.
A paisagem pressentida, esse receio em relação à tuberculose, os lieder interpretados por Carla Simões, remetem-nos para o universo romântico. Embora a gravidez de Lena e a sua condição de criada iludida pelas falsas promessas do jovem patrão remetam para as denúncias do ideário realista.
O tema não podia, porém, ser mais actual: os três doentes até não o estarão tanto quanto o desejariam. Porque o que eles ali vivem é a segurança de um espaço aonde não se sentem ameaçados.
Eles sabem que a verdadeira vida acontece lá fora. E que eles até almejariam por nela encontrar forma de integração. Mas Melchior nunca conseguirá ser o actor, que arrebataria plateias com os seus desempenhos. E, quanto a Emil, a proibição de sair dali ainda é mais contundente, já que, mais do que a doença, terá sido a paixão incestuosa pela própria irmã, a encerrá-lo naquele hospício das montanhas.
É Hans, quem menos se ilude com a possibilidade de sair da vigilância das freiras: ali, pelo menos, a sua condição de bastardo pouca importância tem até ser desmascarada por Emil num jogo de massacre lá para o final. Quando Lena, a jovem grávida, que começara por se querer enforcar, mas agora se quer arriscar a um regresso à planície, os desafia a acompanhá-la.
A peça encenada pelo realizador Marco Martins a partir de um texto de José Luís Peixoto e conceptualizada em conjunto com os quatro actores, vale, sobretudo pelo desempenho superlativo destes.
Beatriz Batarda é credível na sua fragilidade de mulher traída. Dinarte Branco é um Emil ingénuo, mas o mais idealista dos doentes do sanatório. Nuno Lopes é o alcoólico inveterado, que já perdeu a capacidade de acreditar em si, mas é capaz de reavaliar as suas possibilidades. E Gonçalo Waddington veste o mais cruel desses personagens por reduzir tudo o que vivem a um enquadramento de valores niilistas sem margem para a redenção.
Toda a história aparece embrulhada numa partitura musical muito tensa a cargo de um punhado de executantes muito jovens, escondidos para lá dessa floresta.
A cena teatral lisboeta está pujante com a revelação de actores menos conhecidos do que os habituais consagrados, mas com um talento notável.
Ainda que muito extensa e desigual, a peça em cena no S. Luiz acaba por ser dos grandes espectáculos deste ano.

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