"Posto Avançado do Progresso" baseia-se num conto de Conrad, anterior ao "Coração das Trevas", que dele seria desenvolvimento mais ambicioso. E o resultado é um dos filmes mais interessantes deste primeiro quartel do século cinematográfico português.
Hugo Vieira da Silva transporta-nos para a essência do "horror" conradiano, com a história de dois homens portugueses, João e Eduardo, perdidos num posto comercial na selva africana. Longe do seu mundo e sem a estrutura social que os definia, a solidão e a hostilidade do ambiente tornam-se o espelho das suas personalidades. A degradação psicológica é palpável, manifestando-se na paranoia e no conflito crescente, que sublinha a fragilidade da "missão civilizadora" europeia. O filme não apenas expõe a farsa do colonialismo, mas também a fragilidade humana perante o isolamento, numa jornada em que o maior terror não reside na selva, mas nos abismos da própria consciência.
A força do filme reside na abordagem minimalista, quase claustrofóbica. A câmara de Vieira da Silva instala-se naquele posto decadente e dali não se afasta, obrigando-nos a testemunhar a lenta e inevitável desintegração dos protagonistas. Não há grandes discursos nem cenas de ação espetaculares. O terror é construído na repetição dos dias, na monotonia insuportável da espera e nos gestos quotidianos que se tornam grotescos.
A amizade entre João e Eduardo, baseada na superficialidade e na inadequação comum, desfaz-se com a mesma naturalidade com que o ar se torna irrespirável. A falta de um inimigo exterior, de um "outro" para culpar, força-os a encararem o abismo interior. O verdadeiro "horror" de Conrad e de Vieira da Silva não é o dos povos colonizados, mas o da corrupção moral de quem se julgava civilizado. Através deste retrato implacável, o filme transforma-se num comentário sobre a futilidade da ambição colonial e a facilidade com que a "civilização" se desintegra quando confrontada com o próprio reflexo.
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