terça-feira, setembro 09, 2025

A Música e as ciências

 

Para início de mais uma temporada de “A Ronda da Noite” Luís Caetano convidou João Paulo André e Carlos Fiolhais para apresentarem "A Harmonia das Esferas", livro auspicioso sobre a relação da música com as várias ciências.

Melómano militante e não menos interessado no que os vários ramos do saber vão desenvolvendo para dar resposta a todas as interrogações humanas e extirparem de vez as crenças absurdas em eventuais entidades divinas, claro que o título, e sobretudo, o seu conteúdo logo me interessaram.

E não fiquei desiludido. O que este livro propõe é nada menos que uma sinfonia do conhecimento humano, onde a música não é um domínio separado, mas sim o solista de um concerto muito mais amplo, acompanhado por um ensemble que reúne a Física, a Matemática, a Química, a Astronomia, a Biologia e até as Geociências. A metáfora da "harmonia das esferas", essa ideia pitagórica e kepleriana de que o cosmos emite uma música silenciosa e perfeita, serve de ponto de partida para uma viagem que é tanto histórica quanto científica.

André e Fiolhais, dois dos nossos mais talentosos maestros na arte de comunicar ciência, não se limitam a explicar os fundamentos físicos do som ou a matemática por trás de uma escala. Eles mostram como a Química está nos instrumentos que construímos e nos pigmentos das partituras; como a Geologia e os sismos inspiraram sinfonias; como a Biologia e a Neurociência tentam decifrar porque é que uma sequência de notas nos pode comover até às lágrimas ou eletrizar-nos o corpo. É uma demonstração poderosa de que a cultura é una, e que a suposta cisão entre as "duas culturas" – a artística e a científica – é uma ilusão redutora.

Para um racionalista, a leitura é um deleite contínuo. A música é tratada não como um mistério divino ou um dom sobrenatural, mas como um fenómeno natural e humano, passível de ser dissecado, compreendido e apreciado através das ferramentas da razão e do método científico. Cada capítulo é uma resposta eloquente ao obscurantismo, mostrando que a beleza não se perde quando é explicada; pelo contrário, adquire camadas de significado mais profundas. A beleza de um acorde ou de uma fuga de Bach não reside num qualquer je ne sais quoi místico, mas pode ser encontrada na precisão das suas proporções matemáticas e na complexidade da forma como o nosso cérebro, produto de milhões de anos de evolução, as processa.

"A Harmonia das Esferas" é, assim, muito mais do que um livro sobre música e ciência. É um manifesto a favor do pensamento integrado, um antídoto contra a especialização redutora e um convite a ouvir o mundo com novos ouvidos – ouvidos que percebem a física num acorde, a química num violino, a geologia numa ópera e a astronomia no silêncio entre as notas.

A estreia de temporada de “A Ronda da Noite” tão bem conseguida e um livro tão abrangente só podiam terminar com uma nota perfeita: a de que a busca pelo conhecimento, seja ele científico ou artístico, é a mais nobre e verdadeira das harmonias humanas.

 

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