São vários os filmes de Woody Allen, que posso recordar como do meu agrado. “Manhattan” é decerto um deles. Porque gosto do preto-e-branco, da música de Gershwin, dos diálogos inteligentes e de alguns dos que o interpretam. Daí seja razão mais do que suficiente para o rever sempre que posso. Porque há qualquer coisa de mágico na forma como Allen transforma Nova Iorque num poema visual. A cidade não é apenas pano de fundo — é personagem, é atmosfera, é estado de espírito. O preto-e-branco, longe de ser uma escolha nostálgica gratuita, confere à narrativa uma elegância melancólica, como se estivéssemos a ver memórias em movimento. Cada plano parece cuidadosamente composto para nos fazer sentir que estamos a viver dentro de uma fotografia antiga, mas viva.
E depois há Gershwin. A sua música não acompanha o filme — define-o. “Rhapsody in Blue” abre “Manhattan” com uma sequência que é uma das mais belas da história do cinema. A cidade acorda ao som de uma sinfonia que mistura caos e beleza, como se Allen dissesse: “Isto é Nova Iorque. Isto é o que sinto por ela.” E nós sentimos também.
Mas o que me prende verdadeiramente ao filme são os diálogos. Inteligentes, sarcásticos, por vezes dolorosamente honestos. A conversa entre Isaac e Mary junto à ponte, de madrugada, é um desses momentos que ficam. Não há efeitos especiais, não há dramatismos exagerados — apenas duas pessoas a tentarem encontrar sentido numa relação, numa cidade, numa vida. E é nesse minimalismo emocional que “Manhattan” brilha.
Isaac, com as suas neuroses e contradições, é um espelho imperfeito de todos nós. Quer amar, mas não sabe como. Quer ser honesto, mas mente a si próprio. E Tracy, a jovem que ele tenta afastar por medo ou convenção, acaba por ser a mais lúcida de todos. Há uma ternura silenciosa nessa relação que comove sempre que revejo o filme.
“Manhattan” não é apenas um filme que gosto — é um lugar onde volto. Um lugar onde a beleza encontra-se na dúvida, na música, na luz difusa de uma ponte sobre o Hudson. E talvez seja isso que justifica cada regresso: a promessa de que, mesmo num mundo confuso, há momentos que valem a pena.

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