terça-feira, setembro 02, 2025

"Na Lista Negra" de Irwin Winkler (1991): o cinema como memória viva

 

Numa altura em que o outro lado do Atlântico parece tomado da histeria protofascista, que justifica despedimentos em massa com base no suposto peso negativo do Estado na vida comum dos norte-americanos  - que, sem muitas das instituições federais, teriam prometida uma estrada de lajes amarelas em direção ao palácio onde oficia o feiticeiro Trump! - rever o filme de Irwin Winkler suscita duas reações complementares: por um lado a indignação contra a perversidade do poder absoluto mantém-se incólume; por outro que não há poder incontestado, que sempre dure. Nem mesmo o nazismo o conseguiu quando proclamou-se decidido a perdurar por mil anos e esboroou-se ao fim de doze.

O problema são as vidas inocentes trucidadas pelas politicas que, momentaneamente, não têm oposição que baste. Porque os que não se vergam são poucos e aqueles em quem poderiam ter apoio determinante, cedem à cobardia, ou à sua faceta vestida de indiferença.

É neste contexto que “Na Lista Negra”, de Irwin Winkler, revela-se mais do que um filme histórico: é um espelho inquietante da fragilidade democrática e da facilidade com que o medo transforma-se em instrumento de poder. A história de David Merrill, interpretado por Robert De Niro, não é apenas a de um homem confrontado com a chantagem ideológica — é a de uma indústria inteira que, sob pressão, abdica da função artística e social para tornar-se cúmplice de uma purga silenciosa.

Hollywood, nesse período, deixou de ser fábrica de sonhos para converter-se num tribunal de suspeitas. O talento passou a ser medido não pela criatividade, mas pela lealdade política. E o silêncio, tantas vezes vendido como prudência, era na verdade o grito abafado de quem sabia que a integridade tinha um preço demasiado alto.

Rever o filme hoje, à luz das tensões contemporâneas, é perceber que os ciclos de intolerância não são exclusivos do passado. A retórica anticomunista, reciclada e adaptada, continua a servir de cortina para políticas que visam desmantelar o tecido social, enfraquecer o pensamento crítico e promover uma visão única — quase messiânica — do poder. O feiticeiro de Oz moderno não precisa de magia, apenas de uma máquina de propaganda bem oleada e de um público disposto a acreditar que o inimigo está sempre à esquerda.

Mas há também uma lição de resistência. Merrill não se dobra. E ao não se dobrar, torna-se símbolo de uma coragem que, embora rara, é essencial. Porque a cultura, quando não se rende, é o último bastião contra a barbárie. E o cinema, quando se atreve a lembrar, é mais do que entretenimento: é memória viva. 

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