sábado, setembro 06, 2025

“Megalopolis” de Francis Ford Coppola (2024): que fazer com este Império?

 

Olhando para "Megalopolis" consigo percecionar a grandiosidade da ambição de Coppola e detetar uma quantidade apreciável de sugestões, que tanto se relacionam com a presente situação do mundo em geral, como da América em particular. Nesta julgo haver uma profunda e melancólica reflexão sobre o estado do sonho americano, esfacelado entre a memória de uma grandeza imperial e a vertigem de um futuro incerto. O filme não é meramente uma narrativa; é um artefacto colossal, um espelho convexo que reflete e distorce as nossas próprias ansiedades, projetando-as num ecrã de escala operática.

O engenho de Coppola reside na capacidade de construir uma alegoria tão vasta que consegue abarcar praticamente toda a crise do nosso tempo. Nova Roma é mais do que uma cidade; é um estado de espírito, um paciente terminal num leito de escombros dourados, onde a podridão moral é maquilhada por um brilho de néon. César Catilina emerge não como um salvador, mas como um sintoma desta doença, um profeta tecnocrata cujos poderes fantásticos são a manifestação extrema de uma vontade desesperada de controlar um mundo em desintegração. A sua luta não é contra um homem, Cícero, mas contra a entropia, a lei inexorável do declínio que assombra os impérios.

Nesta luta, Coppola parece argumentar que a política, tal como a conhecemos, é um teatro falido. Cícero não é um vilão caricato. É a personificação de um sistema que já não acredita em nada, exceto na sua própria perpetuação. A sua oposição a César não é baseada no mal, mas no medo – o medo do caos, o medo do desconhecido, o medo de que a única coisa pior do que um mundo moribundo seja a agonia de um renascimento traumático. A sua filha, Júlia, torna-se assim o campo de batalha emocional desta guerra de ideologias, representando a juventude e a sociedade, divididas entre a lealdade ao pai que a criou e a sedutora promessa de um amante que lhe oferece um novo mundo.

O filme transborda de referências históricas e literárias, criando um denso tecido intertextual. O espectador é constantemente remetido para a queda da Roma Antiga, para a República de Platão, para a arquitetura visionária de Frank Lloyd Wright, e até para a tragédia shakespeariana. Esta não é uma história simples, mas um mosaico de ideias, um debate filosófico filmado com uma audácia visual que desafia as convenções da narrativa clássica. A escolha de Coppola por técnicas que quebram a quarta parede, especialmente no clímax, não é um mero truque; é a tese central do filme. Ao transferir a responsabilidade da escolha para o público, Coppola desloca o foco da ação dos heróis para a vontade coletiva.

Ele questiona-nos: perante a encruzilhada da história, o que escolhemos? A segurança estagnada do conhecido ou o salto de fé perigoso em direção ao desconhecido? Não nos é permitido sermos espectadores passivos; somos chamados a julgar, a participar, a assumir um papel no destino desta Megalopolis que é, afinal, a nossa própria civilização.

A textura do filme é tão rica quanto a sua temática. A fotografia opulenta e ao mesmo tempo decadente, a mistura de estéticas – do romano clássico ao art déco, ao futurista –, a banda sonora que oscila entre o sublime e o caótico, tudo contribui para criar uma experiência sensorial esmagadora. É um filme para ser sentido tanto quanto para ser compreendido, uma avalanche criativa que pode alienar alguns pela sua recusa em conformar-se.

É, inegavelmente, o projeto de uma vida, a soma de todas as obsessões de um dos últimos mestres do cinema. Nele, ecoam a ambição desmedida de “Apocalypse Now”, a tragédia familiar de “O Padrinho” e a sensibilidade romântica de “O Conversador”. “Megalopolis” é o testamento artístico de um homem que olha para o abismo do século XXI e, em vez de desviar o olhar, decide construir uma ponte sobre ele, por mais frágil que esta possa parecer. Não é um filme que ofereça respostas fáceis; pelo contrário, multiplica as perguntas, tornando-as mais urgentes e complexas.

No final, a impressão que fica não é a de se ter visto uma história com um princípio, meio e fim claros, mas de se ter testemunhado um manifesto, um poema sinfónico visual sobre a condição humana num momento de viragem histórica. Assume que o futuro não é algo que simplesmente acontece, mas algo que deve ser sonhado, disputado e, finalmente, escolhido. Coppola, com a temeridade de um Ícaro que finalmente alcança o sol sem derreter as asas, oferece-nos este espelho. Cabe-nos ter a coragem de olhar para ele e reconhecer o rosto que lá vemos refletido. 

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