O escritor alemão Erich Maria Remarque tem-me aparecido ultimamente em documentários televisivos, um deles recordando as circunstâncias em que escreveu "A Oeste Nada de Novo", outro abordando a relação amorosa com Marlene Dietrich.
Numa altura em que a estupidez europeia parece guiar o continente para a guerra, com Trump todo pimpão a imaginar os milhões de dólares a faturar com a venda de armamento aos "aliados" deste lado do Atlântico, talvez valha a pena trazer de volta o romance de Remarque e recordar a relação com a conhecida atriz. Mais do que uma mera curiosidade histórica, estas duas facetas do homem – o autor de um dos maiores libelos antiguerra de sempre e o amante de uma ícone de Hollywood – representam as duas faces de uma mesma moeda: a busca desesperada por humanidade após ter sido esmagado pela engrenagem da História.
"A Oeste Nada de Novo" não é apenas um livro sobre a guerra. É a crónica de uma desilusão. Remarque, ele próprio veterano ferido na Frente Ocidental, não nos fala de heróis ou de glória, mas da fome, do medo, da camaradagem forjada no lodo e do esmagamento de uma geração inteira que, como escreveu, "foi destruída pela guerra – mesmo que tivesse escapado às suas granadas".
A prosa clínica e emotiva arrancou a guerra das mãos dos estrategas e dos políticos e devolveu-a aos jovens que a sofreram. O sucesso foi avassalador, mas também o ódio que despertou. Os nazis, compreendendo perfeitamente o perigo de uma verdade tão nua, queimaram o livro e retiraram a cidadania alemã a Remarque em 1938. Ele tornou-se um homem sem pátria, um exilado, precisamente por ter dito a verdade sobre o que a pátria exige dos seus filhos.
E é aqui que a sua relação com Marlene Dietrich se entrelaça com o seu legado literário. Quando se conheceram, nos anos 40, ambos eram exilados na América, desenraizados pela mesma catástrofe europeia. Ele, o escritor seriamente marcado pela guerra; ela, a diva glamorosa, mas também uma alemã que detestava o regime nazi. O seu caso foi intenso, torturado e, no fundo, impossível. Nas cartas apaixonadas e desesperadas que trocaram, vê-se a solidão de dois refugiados que nunca se livraram do fantasma da guerra. A relação deles foi um refúgio, um tentativa de encontrar, no amor privado, um sentido que o mundo público lhes tinha roubado. Mas tal como a paz na Europa se mostrou frágil, também o idílio não durou. Eram ambos demasiado feridos para se salvarem um ao outro.
Voltar a Remarque hoje, quando os tambores da guerra soam de novo com uma familiaridade perturbante, é um antídoto necessário. É lembrar que por trás das retóricas belicistas, das transações de armas e dos mapas estratégicos, estão os Paul Bäumers – os jovens que são a "matéria-prima" da história. A obra é um aviso severo contra a glorificação do conflito e a desumanização do "inimigo". E a vida, marcada pelo exílio e pela busca de amor num mundo em ruínas, é um testemunho do custo duradouro da violência.
Num presente onde a linguagem política se volta a encher de soberania e de confronto, a devastadora humanidade de Remarque urge ser lida. Não como uma relíquia do passado, mas como um espelho. Porque a maior estupidez seria esquecer as lições que ele nos transmitiu.