sábado, julho 02, 2016

(LA) «Femmes d’homosexuels célèbres» de Michel Larivière

Um livro com este título, capa e tema arrisca-se a ser atirado para o lote dos que contêm preconceitos homofóbicos à partida, mas trata-se precisamente do contrário: porque as sociedades do seu tempo não aceitavam as relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo, muitos homossexuais célebres casaram com mulheres desconhecedoras dessa sua opção secreta, tornando-as desnecessariamente infelizes.
Ao abrirmos a primeira página Michel Larivière confirma-o: “na época da perseguição (…) a maioria dos homossexuais assumiram a aparência heterossexual para não serem condenados ao opróbrio.”
Até agora pouco soubemos dessas mulheres, que lhes serviram de alibis e muito sofreram com a situação. Entre as dezasseis evocadas só uma pareceu feliz com o casamento: Christiane Vulpius, a conjugue de Goethe. Nos seus escritos pessoais ele explicou a receita para esse entendimento cúmplice: “é verdade que tive relações com rapazes, mas preteria-os de bom grado pelas raparigas. É que, quando me cansavam, eu podia sempre servir-me delas como se fossem rapazes.”.
Madeleine, a mulher de André Gide, até agradecia que ele não a procurasse no leito, tal o terror nela suscitado pelo sexo. Por isso o casal aparentou uma vida social sem sobressaltos até que, em 1916, ela indignou-se  com o que leu numa das cartas dele: a evidência das suas aventuras pedófilas. Isso levou-a a queimar as  cartas dos vinte anos anteriores, razão para, entristecido, ele lamentar o que considerou “uma terrível perda para a literatura”. Mas, mesmo depois, André e Madeleine, que até eram primos, mantiveram uma cumplicidade fraternal e doméstica, semelhante à verificada entre Louis Aragon e Elsa Triolet, sempre inseparáveis.
Com Mathilde, mulher de Verlaine, o caso é mais complicado: transtornado amiúde pelo absinto e pela paixão assolapada por Rimbaud, o poeta quase a matou por estrangulamento e atirou o bebé de ambos com apenas três meses contra uma parede. No entanto, durante muito tempo ela não quisera ver os indícios de uma conjugalidade anormal apesar dos artigos da imprensa alusivos a essa ligação amorosa.
Byron foi um dos exemplos mais detestáveis: casou com Anne Isabelle Milbanke para salvaguardar a imagem e aproveitar-se dos rendimentos dela, que, na noite de núpcias, foi abandonada numa casa sinistra e vazia onde lhe serviram uma ceia já fria. Ao estranhar a situação, o poeta foi muito explicito: “detesto dormir com uma mulher!”.
Por seu lado há quem se revele implacável na vingança por se ter sentido ludibriada: Isabelle, mulher de Eduardo II de Inglaterra, liderou um exército contra ele, capturou-o e fê-lo morrer com um espeto em brasa espetado no ânus.
Essas relações equívocas decorreram da amálgama empreendida pela moral judaico-cristã de três conceitos diferenciados na Antiguidade: o amor, o sexo e o casamento. Para Larivière entre os sentimentos de desejo e a instituição familiar são possíveis todas as combinações, com o casamento a revelar-se mais complexo do que o contrato matrimonial que o enquadra.

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