domingo, julho 03, 2016

(DIM) «Malvado Zaroff» de Ernest B. Schoedsack e Irving Pichel (1932)

Ado Kyrou afiançou que se o marquês de Sade visse este filme aceitaria de bom grado ser o inspirador da história forjada pelos argumentistas, mesmo que outros críticos o tenham contestado pela sua infantilidade. Mas muitos outros declararam-no perfeito na eficácia narrativa e visual do que se pretendia mostrar. É que, apesar das aparências - o mar calmo, o ambiente elegante do jantar no Castelo - a inquietação torna-se incontornável a partir dos primeiros fotogramas.
No início conhecemos Bob Rainsford, um célebre caçador de feras, a viajar num iate junto a uma costa aprazível, mas subitamente palco do inesperado naufrágio.
Acolhido com simpatia pelo Conde Zaroff, Bob pode aí conhecer os tártaros, que lhe servem de criados, os inquietantes cães e dois hóspedes, também eles vítimas da mesma fatalidade: Martin e Eve Trowbridge.
Nessa mesma noite, depois do jantar, Eve procura Bob no seu quarto para lhe pedir ajuda a encontrar o irmão, entretanto desaparecido. Mas já Zaroff e os criados trazem de volta ao castelo o cadáver do rapaz.
É a altura da explicação para o que ali se passa: entusiasmado pelas caçadas, Zaroff fez dos náufragos, que ali têm a desdita de aportar (depois de atraídos à traiçoeira costa!), as suas presas. O desafio, que lhes colocava era simples: ao princípio da noite deixava-os fugir para a floresta e, se não fossem descobertos até ao nascer do sol, teriam a salvação garantida. O que até então nunca tinha acontecido.
Convidado a juntar-se a esse singular passatempo, Bob indigna-se com a proposta e torna-se ele próprio presa, juntamente com Eve, na noite seguinte.
Quase conseguem chegar incólumes ao nascer do dia, quando Bob é arrastado por uma torrente, ficando Eve à mercê de Zaroff, que a assedia para a entrega à sua libido, única forma de se salvar.
Já se aguarda pelo pior dos desenlaces, quando Bob irrompe em cena, resgata Eve do seu agressor, que entrega às garras dos próprios cães.
Há grandeza nesta cena final, quando Zaroff aceita desportivamente a derrota, porque o resultado da caçada demonstrou não ser ele o mais forte. Mas há também o paradoxo de Bob ter começado por recusar a oferta de Zaroff, e acabar por lhe cumprir as execradas regras, matando-o e libertando-se a si e a Eve.
Os realizadores acentuam a faceta demoníaca do protagonista  através de grandes planos e recorrem aos personagens como elementos visuais, como se se tratassem de peças num tabuleiro de xadrez e em que os movimentos e o estatuto corresponderiam aos poderes que se lhes reconheciam.
Leslie Banks, ator mais teatral do que cinematográfico, compõe um Zaroff sóbrio e dominador na sua provável impotência, acicatada pela presença da bela Eve, composição interpretada por Fay Wray, que seria a protagonista de «Kimg Kong» no ano seguinte. Quanto a Joel McCrea, enquanto Bob Rainsford, ilustra na perfeição a hipocrisia das boas consciências.

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