domingo, julho 24, 2016

(L) Um paraíso que mais se assemelha a um Inferno

Um dos escritores contemporâneos que venho acompanhando com assiduidade nos últimos tempos é João Tordo.
Gostei muitíssimo da «Biografia Involuntária dos Amantes», que era uma revisitação dos espaços por onde cirandara alguém a quem um escritor latino-americano amara quase até à loucura e, entretanto falecida no corolário da sua relação inexplicável com um homem, que dela mais abusara do que verdadeiramente a recompensara pela sua devoção.
Gostei bastante de «O Luto de Elias Gro», que acompanhava um homem numa ilha longe de tudo onde procurava soluções para expiar as suas culpas, habitando primeiro num farol e depois à luz das estrelas e contava com uma miúda como vigilante do seu desespero.
Estou agora quase a concluir «O Paraíso segundo Lars D.» sobre um escritor que perdera a capacidade criativa, quando se revelara o cancro no seu organismo e a despedir-se da vida numa fuga inconsequente com uma rapariga muito mais nova, que lhe aparecera a dormir no velho carro à sua porta. Em paralelo a mulher, que lhe tolerara todos os caprichos, sente-lhe a falta, compensando-se com umas idas ao cinema com o jovem vizinho, que estuda Teologia.
Mais do que os personagens em si e a propensão para nos trazer a morte como inevitabilidade ao virar de cada esquina, há em João Tordo uma capacidade reflexiva, que adensa a sua narrativa e convida o leitor a uma apreciação mais atempada para melhor apreender as suas sugestões bebidas em Unamuno. Atenhamo-nos, por exemplo, neste trecho das págs. 123 e 124, quando Lars interioriza as suas inquietações: “É que já não existe tempo, pensou. Os anos passaram e, de repente, aqui estou eu, com o peso da mesma humilhação por cima dos ombros. Nada mudou, concluiu; sinto a mesma vergonha de existir, o mesmo embaraço de ser. A mesma vontade de fechar os olhos com medo de ouvir à noite, os passos da sua mãe no corredor; os passos embriagados da mãe, os desaforos murmurados, e ele demasiado atento a todos os seus gestos. (…) Como é que uma pessoa se liberta disto, perguntou-se Lars? Como é que se perdoa os outros quando os outros fizeram de nós o que quiseram no tempo em que não queríamos nem podíamos nem sabíamos erguer um muro de pedra? Nem a escrita serviu, nem a pretensa espiritualidade, nem a merda do cancro.”
Um traço comum a todos os personagens de João Tordo é serem eles mesmos, somados sobretudo às circunstâncias neles ditadas pelos outros e de que jamais se conseguirão livrar. E são elas a justificarem todas as depressões, todas as angústias, que perpassam as narrativas do autor.

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