domingo, julho 24, 2016

(L) « A Mulher de Verde» de Arnaldur Indridason

Normalmente, na meia dúzia de livros, que costumo ler ao mesmo tempo, um ou dois obedecem ao género policial. Assim sucede com «A Mulher de Verde», que contém os elementos justificativos deste assumido fascínio. É que, se existe sempre a predisposição para adivinhar o mais cedo possível a identidade do criminoso, a sua motivação obedece a impulsos, ora resultantes de disfunções pessoais e sociais misturadas de forma muito diversa. E é nelas, que surgem as oportunidades dos escritores para olharem para as respetivas sociedades sob o crivo de um posicionamento crítico mais ou menos ideológico.
Ainda levando este romance de trezentas páginas no seu primeiro terço, posso antever que o problema da violência doméstica esteve na origem do crime, que vitimou quem foi sepultado num terreno de Thusöld há mais de cinquenta anos, quando esse bairro ainda não fora absorvido por Reiquiavique em expansão. A descoberta dessas ossadas coincidiu precisamente com as primeiras páginas do livro.
Desenvolvendo a intriga em dois tempos diferentes: o atual e o da época em que se consumou o crime, Indridason descreve o pânico vivido por uma mulher e os seus três filhos, face à contínua pulsão para a violência do homem com quem ela decidira casar em segundas núpcias. A boçalidade dos insultos coexiste com as agressões violentíssimas, que a deixam cheia de nódoas negras e de ossos partidos. E, mesmo quando ela ganhou coragem para fugir com as crianças para outra cidade, ele arranjou artes de detetive para as encontrar e trazer de volta para a casa dos seus suplícios.
Nesta altura do romance a questão é a de saber de quem se trata nessas ossadas: será a mãe sempre vergastada pela violência irracional do marido ou este, a quem ela e os filhos acabam por enfrentar, ganhando forças na convergência das suas fraquezas?
A habilidade de Indridason reside na conjugação dessa história passada com a do presente  com o protagonista a ver-se condicionado na clareza de ideias necessária para resolver o mistério porque o próprio passado vem ao seu encontro.
E, porque se trata de um título integrado na coleção das investigações do inspetor Erlandur Sveinsson, acompanhamos os problemas pessoais deste com a filha, Eva Lind, cuja toxicodependência justificou a perda da criança, de que estava grávida. Temos, assim, mais uma personagem típica dos policiais nórdicos em que detetives ansiosos pela iminente passagem à reforma, vivem a má consciência das opções passadas. Neste caso específico Erlandur põe a si mesmo a questão da sua quota de responsabilidade na degradação da filha, já que abandonara a mulher e os filhos há mais de vinte anos.

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