«Visto do Céu» é um filme singular para ser visto e discutido por quem tem ideias distintas sobre a possibilidade de uma existência para além da morte física do corpo.
Neste caso em concreto temos a história de uma rapariga de 14 anos, da Pensilvânia, que é morta por um predador sexual. E, durante todo o filme vê-la-emos subsistir num limbo entre esse assassinato (que é mais sugerido do que mostrado no seu horror!) e a sua definitiva libertação - a que lhe garantirá a transição para o paraíso - agarrada que fica à observação da sua falta junto dos pais e do potencial namorado, que nunca chegara a beijar.
Para um ateu, como é o meu caso, a ligação desta hipótese metafísica à realidade é nula, restando admirar a consistência do conceito do ponto de vista ficcional e a beleza das imagens e efeitos especiais concebidos pelo mesmo realizador de «O Senhor dos Anéis».
Mas para um católico estão aqui os dois tópicos principais da sua ideologia religiosa: por um lado o martírio e a consequente compensação da alma da vítima; por outro, o crime e o consequente castigo.
Por entre essas duas leituras possíveis cabe apreciar o trabalho dos intérpretes - do seguro Mark Wahlberg à sempre excelente Rachel Weisz, da histriónica Susan Sarandon ao credível Stanley Tucci no papel de vilão, sem esquecer a beleza surpreendente da rapariga assassinada (a até agora desconhecida Saoirse Ronan).
Mas fica também a sageza de Jackson em escapar aos estereótipos mais primários: o criminoso morre acidentalmente sem os pais da rapariga virem a saber do seu fim e o próprio corpo dela jamais será encontrado, já que se afunda no lago da lixeira aonde foi abandonado dentro de um cofre. Para um público demasiado habituado à identificação com os personagens da tela, terá havido quem se tenha sentido defraudado com a solução final do filme.
Mas, à luz do livro do Julian Barnes, recentemente lido («Nada a Temer») e cujo tema é a nossa atitude face à morte, caberá perguntar: se soubéssemos que, no Além, iríamos encontrar os sítios idílicos concebidos pela imaginação do realizador, ainda teríamos medo de desaparecermos desta vida? Não foi por se julgarem a caminho de um paraíso com milhares de virgens à espera, que os suicidas da Al Qaeda atiraram com os aviões do 11 de Setembro contra as Torres Gémeas?
Seria bom contarmos com uma crença semelhante, mesmo que absurda, para não desesperarmos perante o balanço cada vez mais negativo entre a parte de cima da ampulheta e a parte de baixo. Mas não vale a pena acreditar em pais natais. O mais credível continua a ser o definitivo desaparecimento do corpo, sem que nada reste da pessoa que o terá habitado...
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