Há documentários, que conseguem ser extremamente interessantes na revelação de conhecimentos que, até os vermos, nos escapavam.
Foi o que me sucedeu com este título de Abílio Leitão, dedicado ao pintor Eduardo Batarda, de quem sabia tão pouco. Para além de o situar como referência das artes plásticas portuguesas nas últimas décadas, conotava-o muito mais como progenitor da sua filha actriz do que com uma obra, que me passara completamente ao lado.
E, no entanto, o que o filme desvenda, aponta para diversos motivos justificadores de um renovado interesse por ela. Porque, dividida por várias fases, ela tanto consiste numa espécie de banda desenhada aonde múltiplas histórias são contadas, muitas delas com uma conotação explicitamente sexual, como logo investe num abstraccionismo povoado por símbolos e de intenções implícitas.
Ouvi-lo explicar os conceitos subjacentes a alguns dos seus quadros basta para perceber o quanto eles possuem afinal uma chave de leitura muito acessível. Por exemplo não me passaria pela cabeça, que umas letras e uns números espalhados por um quadro - c, d, 1, g - significasse «cara de um gajo». Ou que ele assuma a opção sucessiva por linhas, ondas, curvas e outras formas geográficas, até chegar aos presentes bicos, «destinados a meninos ricos»
Pelos testemunhos de muitos amigos - Fernando Lopes, Artur Rosa, Paula Rego (impagável a sua evocação das bebedeiras partilhadas nos anos 70, quando «batiam com a cara no chão»!), Maria João Seixas - ou de críticos - João Fernandes, João Pinharanda - seguimos um percurso biográfico, que começa em 1943, passa pelos estudos de Medicina em Coimbra (quando tinha apenas 16 anos) e de Belas Artes em Lisboa (aonde daria a volta ao miolo de muita menina romântica, fascinada por aquele garboso espécime), até chegar à sua estadia em Londres.
Depois é o regresso a Portugal com a Revolução de 1974 e a sua colaboração jornalística no «Sempre Fixe». Nas Galerias Quadrante ou 111, ou nas exposições em Serralves, o seu prestígio de criador consolidar-se-á progressivamente.
No rescaldo dos fervores revolucionários (que encheram de referências a sua obra, radica-se no Porto enquanto severo (e mal amado) profesor de gerações de futuros artistas, depois de episódicas colaborações cenográficas no Teatro da Cornucópia.
Fica a sensação de ele possuir uma fina ironia, expressa quase sem alterar a sua fisionomia séria, mas que ilude a sua verdadeira vocação humorística...
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