quarta-feira, janeiro 16, 2019

(EdH) Os ecos da presença portuguesa na Flandres em 1918


O meu avô materno, o único que conheci, morreu nos meus quinze anos, quando começava verdadeiramente a aproveitar o muito que ele me tinha a contar sobre a experiência na Flandres em 1918, quando escapou à batalha de La Lys, de onde se encontrava muito perto, e donde voltou eivado de um anti britanismo, que nunca voltaria a mitigar.
Ao revisitar «Portugal e a Grande Guerra» de Carlos Matos Gomes e António Aniceto, posso intuir melhor a razão, porque ele tanto admirara Sidónio Pais ou preferira uma vitória alemã na Segunda Guerra, como paradoxalmente escondera foragidos da revolta de 1936, oriundos da «Afonso de Albuquerque» a meio do rio, e carecidos de esconderijo das forças de repressão do salazarismo nas semanas que se seguiram.
Lembro-me dele ter explicado tal contradição com o facto de os britânicos não terem permitido, que os soldados portugueses acorressem ao local da batalha para salvar os compatriotas. Os historiadores, que assinam a obra referida, dão bem mais consistente explicação alternativa: vistos como mal preparados para o esforço de guerra, os portugueses do Corpo Expedicionário viram-se depreciados pelos comandos ingleses, que os reorientaram para cavarem novas trincheiras e se ocuparem de outras tarefas menores no esforço de guerra. Os portugueses ter-se-ão sentido como meros criados dos britânicos e tratados como tal. Ora, o João Marques Trindade não era homem para se dobrar a vontades alheias. Mesmo analfabeto, nunca no resto da vida deixaria que lhe dessem ordens, razão porque, desde cedo, se tornou rendeiro e, depois, proprietário rural.
Nos inícios dos anos 60, quando passava dias inteiros nas quintas, como seu neto mais novo, apercebia-me da forma correta como tratava dos caramelos ou os ratinhos, que vinham das Beiras para o ajudarem na ceifa das searas de trigo na Quinta de Castelo Picão e de Montenhoso, para além das que costumava arrendar. Não lhe lembro o porte arrogante dos latifundiários descritos na nossa literatura neorrealista, mas também não dava a quem para ele trabalhava a confiança de quem os considerava seus iguais, mesmo que a origem social à nascença tivesse sido semelhante. No fundo talvez com ele tenha aprendido o mérito de, respeitando as diferenças hierárquicas, tratar com respeito, mas com prudente distanciamento, todos quantos dirigi ao longo da vida profissional.

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