segunda-feira, janeiro 21, 2019

(DIM) Quando se iam espreitar os aviões à Portela


No início da década de sessenta a quietude familiar foi perturbada pela entusiasmante decisão do meu pai em comprar o primeiro carro. Não era um daqueles reluzentes modelos, que, de tempos a tempos, passavam debaixo da nossa janela para alcançarem as ainda pouco concorridas praias da Costa de Caparica, mas a furgoneta em segunda mão possibilitaria os nossos primeiros passeios dominicais para além dos limites, que havíamos até então conhecido.
Foi num deles que descobri pela primeira vez o aeroporto, havendo uma espécie de varanda para a pista, onde os basbaques iam ver os aparelhos aterrar ou levantar voo. Se hoje as famílias entretêm-se a ir aos centros comerciais, na época uma das mais excitantes diversões era esse espreitar dos aviões, cientes de nunca neles virem a pôr os pés.
É essa distante reminiscência, que resgato da memória a propósito de um filme de 1954, realizado por William Wellman, quase todo passado a bordo de um DC-4 em voo entre Honolulu e São Francisco. Na época as plateias, que terão visto o filme naquelas amplas salas de antigamente, e em que o Cinemascope quase as puxava para dentro da tela, «Alto e Poderoso» só poderia constituir um enorme sucesso comercial.
Visto a sessenta e cinco anos de distância a história pouco interesse tem: há um velho piloto (John Wayne), que causara perda de vidas (incluindo as da mulher e do filho) num erro cometido quando sobrevoava a Colômbia e anseia pela oportunidade de se redimir, mas também um conjunto de passageiros e tripulantes, cada qual correspondendo a um estereotipo fácil de ser assimilado pelos espectadores como personagens com que se poderiam identificar.
A estrutura do argumento também não comporta surpresas: há uma situação inicial de grande tranquilidade para todos os que irão viajar e se prestam até a alguns momentos de tosca comédia, mas o suspense cresce a meio do filme, quando a possibilidade de fatal acidente irá em crescendo até ao happy end.
O que mais seduz no projeto é imaginá-lo como forma de milhares de espectadores ficarem a saber como era isso de viajar de avião, quase podendo afiançar aos amigos e conhecidos, que eles próprios haviam tido essa experiência. O cinema ainda possibilitava, na época, um certo primado da inocência.

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