segunda-feira, janeiro 28, 2019

(AV) A modernidade disruptiva de Rodin


No cruzamento das avenidas Raspail e Montparnasse, em Paris, encontra-se a estátua de Balzac, que tanto escândalo causou quando o escultor a apresentou pela primeira vez, em 1898, no salão do Champ de Mars. Quem, por pressão de Zola, lha havia encomendado - a Societé des Gens de Lettres - logo se escusou a recebê-la, argumentando que não homenageava o autor de «A Condição Humana», antes o denegria com essa simplificação das formas, a aproximá-la da abstração, e com a volumosa cabeça a aparentar um ser disforme, que consideravam nada ter a ver com o modelo real.
Bem tentaram os amigos - quase todos pertencentes aos que, por essa altura, lideravam a defesa de Dreyfus - defender essa opção estética e organizar uma subscrição, que pagasse o trabalho, que o cliente original se escusara a ressarcir, mas o escultor recusou a oferta e resguardou a obra no seu ateliê, donde só sairia cinquenta anos depois, altura em que foi feita a fundição do modelo em bronze e exposta novamente á apreciação pública.
Os conceitos estéticos muito haviam mudado nesse meio século: quando Rodin criou aquela que seria a sua obra mais original, a escultura ainda era a expressão artística, que menos mudara em função da transformação em curso desde que a Revolução Industrial impusera novos ritmos, modas e pensares. A pintura conhecera uma sucessão de estilos, alguns deles dentro do mesmo ideário impressionista. A fotografia, primeiro, e o cinema depois, desafiavam para novas formas de olhar a realidade. E a literatura, com os realistas, trazia para a ribalta o difícil quotidiano das classes desfavorecidas. Não admirava que fosse Rodin, também delas oriundo, a protagonizar esses ventos de mudança na arte em que escolhera expressar-se. Quando, aos 23 anos, esculpira «O Homem do Nariz Quebrado», inspirara-se precisamente num tal Bibi com quem costumava cruzar-se no bairro em que vivia, acentuando-lhe a barba, as rugas e o singular apêndice, que lhe serviria de título. A exemplo do que sempre intentaria, a obra sugeria reflexões, que coincidiam com as obsessões do artista com o curso do tempo e os efeitos por ele suscitados no que se deixava fixar num breve instante.
Não admira que, a exemplo da obra dedicada a Balzac, esta escultura, apresentada trinta e três anos antes ao Salon, viu-se liminarmente rejeitada.

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