sexta-feira, janeiro 04, 2019

(DIM) Um visionário com o seu quê de míope


Estava-se em 1893 e Edison sentia-se orgulhoso por ter a primeira câmara de filmar dotada de uma aceitável funcionalidade: o cinetógrafo. Por essa altura os Lumière não imaginavam vir a ter o que quer que fosse com a animação de imagens. Daí que, acaso se tivesse disposto a projetar filmes publicamente, Edison seria considerado o inventor oficial do cinema. Só que, apesar do seu carácter visionário, ele tomou um conjunto de decisões surpreendentes. Por um lado concluiu que a apresentação pública dos seus filmes não apresentava qualquer interesse, preferindo-lhe a opção por peep-shows. Em vez de projetados os filmes destinavam-se a serem vistos graças a uma máquina chamada cinetoscópio, em que, mediante a introdução de uma moeda numa ranhura, se podiam espreitar filmes durante trinta segundos. Por outro lado, Edison escus-ou-se a equipar o novo invento com um mecanismo intermitente, optando por permitir o movimento contínuo do filme. Havia uma lâmpada no interior e, para evitar a sobreimpressão das imagens, colocou-se um obturador a rodar a grande velocidade de forma a cada fotograma ver-se iluminado durante um lapso de tempo tão curto que ele chegava a ser suficientemente nítido.
Tecnicamente a criação de um projetor não era problema insolúvel para Edison, que até tinha Dickson a pressioná-lo nessa direção, mas razões económicas levavam-no a defender outra via: a de ganhar dinheiro com a venda das novas máquinas, desprezando os que lhe pudessem ser acessíveis pelo crescente número de espectadores.
O primeiro salão de cinetoscópios foi inaugurado em Nova Iorque a 14 de abril de 1894, com dez máquinas. Cada uma fora vendida por 300 dólares a que se somaram 10 por filme. Tendo em conta a inflação, o equipamento dessa sala facultou a Edison aquilo que corresponderia hoje a 83 mil dólares. Como avaliou o mercado da imagem em movimento na dimensão de uma dezena de salas por todos os Estados Unidos, Edison acreditava numa maior rentabilidade se vendesse dez máquinas de cada vez do que um só projetor. E o primeiro ano do novo negócio pareceu-lhe dar razão, porque faturou mais de dois milhões de dólares. Dickson continuava a apostar na lógica contrária, que era, igualmente, a dos exibidores desses filmes: para terem dez clientes em simultâneo tinham de adquirir outras tantas máquinas e outros tantos filmes. Se tivessem um único projetor  e um único filme, poderiam decuplica-los, quiçá mesmo centuplicá-los. Teimoso, Edison não quis ver a inevitabilidade deles verem a necessidade satisfeita pelo engenho dos concorrentes.
Nos filmes rodados por Dickson, via-se-o a saudar os espectadores, um assanhado combate entre gatos, o primeiro filme (castamente) erótico e quase todos em grandes planos, que só viriam a tornar-se frequentes nos filmes rodados já no século XX. Mas não percamos de vista que os filmes de Dickson não eram destinados a um ecrã, mas observados através de um óculo com 2 cm. A impressão do espectador era radicalmente diferente e, para que tivesse a sensação de ver alguma coisa, Dickson incumbia-se de lhe preencher totalmente o enquadramento.
O peso do cinetógrafo limitava as possibilidades de ser transportado. Por exemplo para filmar ferreiros, Dickson não se deslocou ao local onde eles trabalham, mas convenceu empregados de Edison a imitá-los no estúdio, muito embora também recorresse a artistas do music-hall para interpretarem os papéis que lhes estipulava.
O nascimento da indústria cinematográfica estava prestes a afirmar-se.

Sem comentários: