sábado, janeiro 26, 2019

(DL) «Keila la Rouge» de Isaac Bashevis Singer


Prémio Nobel da Literatura em 1978, Isaac Bashevis Singer escrevia em yiddish na linha da tradição dos maiores narradores de contos judaicos. Nascido em 1904 estava destinado a tornar-se rabino, replicando o percurso biográfico do progenitor, mas a sua vontade foi outra, a de se consagrar ao jornalismo e à literatura.
Em 1935, e perante a ascensão do antissemitismo à sua volta, abandonou Varsóvia e juntou-se ao irmão, Israel, já radicado em Nova Iorque. Encontra aí um ambiente propício para a sua cultura de origem, abundando filmes, peças de teatro e folhetins radiofónicos a terem nela inspiração. Com obra vasta, e amiúde adaptada ao cinema, Singer deixaria (quase) inédito um romance, que fora publicado em folhetins por um revista  - «Forverts» - de distribuição cingida aos leitores do yiddish.
A Stock acabou de lhe assegurar edição francesa, revelando um retrato sombrio da comunidade judaica de Varsóvia em vésperas da Primeira Guerra Mundial, quando, nos bairros mais miseráveis da cidade, ombreavam as ortodoxas escolas hassidistas e os sórdidos bordéis. A devota população estava obrigada a conviver com Max, um temível proxeneta, que abusava das raparigas e as enviava para os prostíbulos da América Latina. É ele quem, na festa do Kippour, viola Keila, a ruiva que é a protagonista do romance, e está casada com o influenciável Yarmy.
Prostituída, Keila enamora-se de Bunem, filho do rabino, a quem seduz, sem porém, o livrar do característico conformismo social, que o leva a não levar a sério o amor que ela lhe dedica. De alguma forma esse personagem, replica o próprio Singer que se dissociara da tradição e dos rituais, mas não se deixara convencer pela modernidade, colocando-se, perante Deus na condição de crente sem, porém, o pretender servir.
Vivia-se, então, sob domínio da Rússia czarista e antissemita, que impulsionava o desejo de exílio dos que ali se sentiam ameaçados. Keila e Bunem conseguem, então, mudar-se para Nova Iorque, palco das suas mais amargas desilusões. Ele sente-se estrangeiro num ambiente hostil em que a condição social não é revelada pela forma de vestir ou pelos comportamentos. E ela, que se sente profundamente judia, mesmo sem conhecer os fundamentos da fé, deseja voltar para Varsóvia por corroborar essa sensação de se ver rodeada de judeus que tinham deixado de o ser.
Egocêntrico e contraditório, Bunem não reconhece em Keila a vontade de se metamorfosear, condenando-os a não viverem um futuro, que estaria ao alcance de ambos. E nem Solcha, que fora sua namorada, e decidira dedicar-se exclusivamente ao militantismo anarquista, o consegue demover da pulsão suicida. Porque os silêncios de Deus convencem-no da impossibilidade de redenção.

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