sexta-feira, setembro 14, 2018

(DL) Freud e as obsessões homossexuais


Vinte anos depois de publicar o caso Dora, Freud aventou a possibilidade de ter cometido uma «falha técnica» ao menosprezar a atração lésbica da paciente pela srª K, compreendendo tardiamente a importância de integrar o fator bissexual na terapia.
A amizade entre os pais de Dora e os K. apanhou a adolescente no meio de um imbróglio traumático suscitado pelas relações entre os quatro adultos. Sentindo-se traída pelo pai, que confirmara amante da srª K, assediada pelo marido desta e abandonada pela mãe, refugiada na atitude passiva, Dora tende a transferir a ideia de parentalidade para o casal ilegítimo.
Aproxima-se, então, da srª K, que a fascina pela brancura da pele, tudo fazendo para estar junto dela. Mas Freud não vê nesse comportamento uma forma de se aproximar do sr. K, apesar dele a mimar com cartas e presentes.  Pelo contrário ela procura identificar-se tanto quanto possível com a mulher que passa a encarnar uma idealização da maternidade e da feminilidade.
Arrastada para um tormenta bissexual, Dora procura a própria feminilidade, que presume inerente à condição de objeto do desejo masculino. Não se tratava - ao contrário, do que previamente julgara! -, de Dora sentir alguma atração pelo sr. K., pois os sintomas de afonia na ausência deste exprimiam a pulsão lésbica.
A obsessão de Dora pela relação entre o pai e a srª K.  revela que ela lhe invejava essa posse do progenitor, mas também a pulsão inversa, a do invejável acesso à intimidade dela. A persistência dos sintomas de tosse foi interpretada como a expressão do fantasma da felação ao pai aquando se identificava com a srª K ou de cunnilingus ao colocar-se na perspetiva paterna.
Freud não ficou chocado com as tentativas de sedução do sr. K para com Dora, então com catorze anos.  E, na época em que descrevera o caso, só atentara no papel dos três homens que rodeavam a rapariga - o pai, o senhor K. e o irmão - aventando  estritamente a implacabilidade do amor edipiano.
E, no entanto, por essa altura, Freud até vivia a atração homossexual pelo colega Fliess a quem escrevera em 7 de agosto de 1901: “Não partilho o teu desprezo pela amizade entre homens, provavelmente porque a interpreto num nível muito elevado. Como sabes, na minha vida, a mulher nunca substituiu o amigo, o camarada. Se a orientação de Breuer pelos homens não fosse tão tortuosa, tão timorata, tão recheada de contradições, então teríamos conhecido um exemplo perfeito dos feitos obtidos pela vertente andrófila do homem quando pode ser sublimada”.
A homossexualidade recalcada terá impedido Freud de identificar-se com um objeto feminino que lhe tivesse permitido aceitar a transferência maternal, vedando-lhe a mesma assumpção por Dora?
Freud consideraria a homossexualidade como típica da vida amorosa inconsciente das jovens histéricas. Teorizou-a em 1908 no ensaio «Os fantasmas histéricos e a sua relação com a bissexualidade» em que sugeriu a natureza intrinsecamente bissexual do ser humano denunciada pelas psiconeuroses.
Viu nessa bissexualidade psíquica a possibilidade de enfrentar a existência de um édipo invertido recorrendo aos movimentos de transferência. A autocrítica por não ter escalpelizado o lesbianismo de Dora  é um dos fatores, que o incitou a aprofundar a compreensão da psicossexualidade, elaborando essa noção de transferência, que começara a teorizar nas conclusões de tal caso.

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