quarta-feira, setembro 12, 2018

(DIM) «Os Noivos» de Ermanno Olmi (1963)


Belo filme o que a Cinemateca apresenta nesta quinta-feira na sessão das 15.30. «Os Noivos» de Ermanno Olmi é uma obra-prima, que comporta algumas das principais características da filmografia do seu autor: a depuração e a simplicidade.
O protagonista é um soldador de Milão, Giovanni, que afasta-se da cidade natal e da noiva, Liliana, contratado por uma fábrica situada na Sicília. De início sente-se aliviado com essa decisão, porque o namoro estava a degenerar numa monotonia incómoda e o pai, que constituía um entrave, pôde ser assim depositado num asilo. Mas a distância, a solidão e a estranheza de um ambiente em que não se consegue integrar, predispõe-no noutro sentido. Sobretudo ao receber uma carta de Liliana a que prontamente responde apesar de não ter tido, até então, grandes hábitos de escrita. A correspondência torna-se cada vez mais intensa contribuindo para os reaproximar...
Olmi constrói a narrativa imbricando o passado e o presente, através da inserção de curtos flash backs, espantosos de inventividade e de subtileza.
Há também a lógica contrária ao que seria mais comum: em vez de vermos proletários do sul a buscarem melhor sustento no norte, acontece precisamente o contrário. De qualquer forma, fosse de uma ou de outra forma, o que está em causa é um modelo de industrialização, que cria ilusões de melhor vida aos que remunera miseravelmente e desenraíza dos seus espaços naturais, redefinindo «cientificamente» o papel do indivíduo na sociedade.
Sujeito a novas rotinas num lugar, que deixou de ser o seu, o emigrado condena-se à tristeza, ao abandono, descobrindo tardiamente o logro em que caiu: sob a promessa de um melhor conforto material é a miséria afetiva, que o espera ao virar da esquina.
Giovanni bem tenta integrar-se no modo de viver dos sicilianos cujas festas populares frequenta.  Mas nunca deixa de se sentir um alienígena num mundo com uma cultura, que é muito distinta da sua. Por isso a fotografia coloca-o sempre descentrado em cada enquadramento, acentuando esteticamente essa condição de se ser periférico. Daí que, assombrado pelas reminiscências de tudo quanto para trás deixou, busque recuperá-las por carta, por telefone, denunciando uma culpabilidade reprimida, que só se pode libertar pela reconquista da intimidade perdida.
Embora não tenha merecido grande sucesso em Itália, Rossellini e Godard incensaram o filme. E Piero Bianchi viu nele “um êxtase total, uma alegria subtil, uma obra em tom menor, mas rigorosa e profunda.”

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