domingo, setembro 16, 2018

(DIM) Ingmar Bergman no centenário do seu nascimento (I)


Em outubro o Cineclube Gandaia dedicará as suas habituais sessões das quintas-feiras ao realizador sueco, que teria feito cem anos de idade em Julho se ainda fosse vivo. Porque se trata de um acontecimento maior nas atividades da Associação da Costa de Caparica, iniciamos a publicação de um conjunto de textos a ele dedicados.
Ingmar Bergman morreu aos 89 anos, depois de ter dedicado seis décadas de vida ao cinema e ao teatro. De todos os grandes cineastas da sua geração, foi aquele que mais trabalho terá produzido, como se atesta na sua abundante filmografia. Mas, para além da meia centena de títulos criados para o cinema, esse labor traduziu-se igualmente em centenas de encenações, de argumentos e de filmes para televisão.
Os anos crepusculares foram por ele dedicados a preservar a herança, mais do que a erigir um monumento à sua glória, porque, a exemplo dos grandes criadores, era de uma modéstia admirável.
É, ainda assim paradoxal que este homem celebrizado pelos seus filmes, alguns deles convertidos em grandes ícones da arte cinematográfica - «Mónica e o Desejo», «Persona» ou «Fanny e Alexandre» - sempre tenha dado à condição de homem do teatro. O seu vasto percurso, obsessivo e eclético, foi condicionado pelo contexto temporal, pela moral e pela paixão, mas sempre ancorado na devoção pela arte dramática.
Nascido em Uppsala, Bergman era o segundo filho de um pároco protestante, que sempre descreveu como um homem justo mas atormentado e severo. Na adolescência revoltou-se contra esse ambiente, com que entrou em rutura aos vinte anos, quando começou a trabalhar no teatro, e depois no cinema. Jovem realizador muito trabalhador, assinou dramas naturalistas depois da Segunda Guerra, com jovens rebeldes, inconformados contra a sociedade confortável, mas asfixiante, a ponto de se suicidarem ou resignarem.
Bergman era então um dos principais representantes de um existencialismo com muitas semelhanças com o que se exprimia na sociedade francesa de então. Não admira que Truffaut e Godard tenham manifestado um rendido entusiasmo por «Um Verão de Amor» (1951) ou «Monica e o Desejo» (1952), em que o apetite sexual das suas protagonistas era assumido sem preconceitos como parte substantiva da paixão amorosa. Mas, logo de seguida, três obras-primas vieram impressionar quem as viu nos festivais de Berlim e de Cannes: «Sorrisos de uma Noite de Verão» (1955), «O Sétimo Selo» (1956) e «Morangos Silvestres» (1957).
Ele poderia ter-se mantido nesse tipo de filmes entre o grotesco e o filosófico, repetindo-se numa fórmula de demonstrado sucesso. Mas «O Rosto» (1958), «A Fonte da Virgem» (1959) ou «O Olho do Diabo» (1960) denotaram o prazer por aprofundar os seus temas e correr maiores riscos. Ao chegar à década de sessenta concentrou-se em temas intimistas, como a fé, a morte, a mulher como Outro, o duplo e o rosto. A narrativa também vai-se alterando à medida que ensaia novas estratégias para mostrar as relações entre as personagens, que resultam numa implícita autobiografia.
«Persona/ A Máscara» (1966) é o merecido apogeu desse período: cada vez que se revê o filme, há sempre algo de novo no que se lhe descobre, reiterando o enorme prazer da sua fruição. Seguiu-se, então, um período desconcertante em que pareceu retomar estórias psicológicas e ficções realistas—«Lágrimas e Suspiros» (1972) e «Cenas da Vida Conjugal» (1973). Mas Bergman voltou a conhecer um êxito superlativo com «Fanny e Alexandre» (1982), onde a inventividade fotográfica é discreta, mas revela-se o motor escondido de todos os filmes anteriores: o sentido do ritmo afetivo. A partir daí o seu cineasta engrenou em três obras-primas inclassificáveis, truculentas, melancólicas, onde todo o seu universo ficcional se reencontra.

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