quarta-feira, janeiro 27, 2016

DIÁRIO DE LEITURAS: «O Livro de Camaleões» de José Eduardo Agualusa (I)

Gosto de ler contos, muito embora poucos sejam os que me ficam na memória tão breves são os estímulos por eles suscitados. Na maioria dos casos considero-os uma espécie de exercícios em que os escritores treinam frases e enredos no intervalo entre projetos mais ambiciosos.
No caso de «O Livro de Camaleões» de José Eduardo Agualusa poderá ter-se justificado tal explicação nalgumas das histórias nele inseridas, muito embora nelas caibam igualmente o cumprimento de encomendas para alguns projetos bem específicos como são exemplo os dois mais extensos e interessantes.
Em simetria, o livro inicia-se com «A Primeira Noite» e conclui-se com «A Última Noite».  No primeiro encontramos o abúlico narrador numa comemoração da passagem de ano. Ao contrário de todos quantos os que o rodeiam ele sente-se como uma lagosta num aquário, sem ideais nem desejos para o futuro. Até que conhece Dandara, uma desconhecida apostada em, com ele, partilhar passas e desejos.
A sua letargia persiste o tempo suficiente para a ver despedir-se e tomar um táxi em direção indefinida. Descobre estar então na primeira noite da sua ressuscitada existência, por já ter finalmente um desejo: o de a reencontrar!
Em «A Última Noite», Agualusa dá largas à imaginação com a inquietação crescente de uma jovem a quem gente desconhecida avisa, ao vivo ou por telefone, para ter cuidado por ser «uma das últimas»!
Quando a avisam para fugir por já não ser possível beneficiar da proteção até então pressentida, ela vai cair na armadilha de sair de casa sem direção definida acabando empurrada para a linha do metropolitano, quando uma composição estava prestes a chegar à estação.
Outra história inserível no género fantástico é «A sombra da mangueira» em que um Construtor de Castelos entedia-se perante a paisagem imutável. Há um rio inalcançável, e pássaros ruidosos, ainda que escondidos, na densa folhagem da árvore. Só mudam as pessoas, que com ele vêm partilhar alguns momentos, tão só feche momentaneamente os olhos.
A exemplo do Principezinho de Saint-Exupéry vemos desfilar sucessivamente o Menino que vendia Amendoins, o Escritor Cego, a Atriz do Vestido Vermelho, o Marinheiro, a Engenheira de Pontes, vacas, comerciantes chineses ou indianos, cirurgiões e tantos outros desconhecidos, que o fazem imaginar-se num limbo postmortem, uma espécie de Inferno mais agradável do que o convencional.
De todos quantos conheceu na sombra da mangueira é a atriz que perdura na memória e o leva a desejar revê-la. O Marinheiro também o avisara, que o rio só poderia ser atravessado se existisse uma ponte … que a engenheira o ajuda a projetar.
Assim, quando consegue reencontrar a atriz, ambos saem da sombra e avançam, luz adentro, na direção do rio, decididos a tudo recomeçar. 

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