quarta-feira, janeiro 20, 2016

DIÁRIO DE LEITURAS: O desprezo civilizado

Um dos ensaios mais interessantes surgidos recentemente em França é da autoria de Carlo Strenger, um filósofo e psicanalista, que ensina na Universidade de Telavive e escreveu um panfleto dedicado à memória das vítimas do «Charlie Hebdo».
«Le Mépris Civilisé» é um manual de resistência contra o politicamente correto, que nos pretende privar o direito de criticar os valores das sociedades não ocidentais.: “proponho substituir o politicamente correto pelo que designo como o desprezo civilizado. (…) Trata-se de desprezar sem odiar nem desumanizar.”
Strenger reivindica a filiação na tradição iluminista do século XVIII, defendendo o direito a desprezar tudo quanto consideramos falso e contrário aos nossos valores. E isso tanto diz respeito aos fanáticos islamitas como aos judeus ultraortodoxos ou a um João Paulo II que rejeitava a utilização de preservativos pelos crentes católicos.
A aceitação dos valores e costumes de outros povos não ocidentais implica um juízo sobre a sua legitimidade à luz dos nossos valores. É que, cada homem e cada mulher deve ter o direito a ser respeitado enquanto ser humano. É por isso que, embora homem de esquerda, Carlo Strenger não deixa de contestar esta última por tender a classificar de extrema-direita tudo quanto não se pareça conjugar com a sua visão estereotipada.
Temos o direito à indignação, mesmo quando nos colocamos na posição de sermos ofendidos. Mas a liberdade de expressão constitui uma regra, que tem de ser absoluta de acordo com o espírito de tolerância preconizado por Voltaire e outros iluministas.
Por isso não podemos aceitar que a nossa critica às crenças, que alimentam o terrorismo, signifique sermos tidos como intolerantes ou racistas!

Extrato: 
O desprezo é civilizado sob duas condições: deve começar por se fundamentar em argumentos e conhecimentos científicos precisos e exaustivos, como deve sempre ocorrer com a formação de uma opinião responsável.  Depois, dirige-se contra os indivíduos que professam valores, que nos pareçam irracionais, imorais, incoerentes ou desumanos.
à dignidade e os seus direitos fundamentais devem ser sempre garantidos e não lhes serem negados sob nenhum pretexto.
Trata-se de os desprezar sem odiar nem desumanizar, no cumprimento do principio da humanidade.
Não tem, pois, nada a ver com o espírito da Inquisição ou dos ayatollahs iranianos na medida em que ninguém deve ser privado da liberdade, torturado ou condenado à morte por motivo da sua crença, dos seus valores ou opiniões. Pelo contrário trata-se de demonstrar a nossa capacidade para manter as normas da civilização, mesmo contra sistemas de crenças e valores, que não podemos racionalmente caucionar.
O princípio do desprezo civilizado tem implicações psicológicas, culturais e políticas de grande amplitude. Do ponto de vista psicológico, é bastante mais autêntico do que o politicamente correto. Não requer respeito fingido quando não se o sente. Liberta-nos da obrigação de aceitar formas de pensamento contestáveis sob o pretexto de fazerem sentido para outrem. No domínio da arte e do discurso cultural permite-nos dar uma expressão não dissimulada e articulada (sem ser violenta ou humilhante) a um desprezo fundamentado. E, no plano político, permite-nos uma melhor defesa dos nossos valores do que o politicamente correto.

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