quarta-feira, janeiro 06, 2016

DIÁRIO DE LEITURAS: Cronenberg chegou ao romance

Aos 72 anos o realizador canadiano David Cronenberg publicou o seu primeiro romance, cumprindo um sonho que perseguia desde a infância.
Nascido em Toronto em 1943, filho de uma pianista, cedo se desviou para o cinema, rodando curtas metragens até encontrar momentânea sobrevivência no cinema pornográfico. O primeiro sucesso cinematográfico foi com um cult movie -«Scanners» - que chamou a atenção da crítica mundial para o seu talento.
Foi verdadeiramente «A Mosca», que o tornou mundialmente conhecido, apesar de se tratar do remake de um velho êxito de série B dos anos 50.  O êxito foi tal, que a versão cronenberguiana chegaria a uma criação operática dirigida por Placido Domingo.
Seguir-se-iam depois muitos filmes prezados pela crítica, como «Crash», «Dead Zone», «O Festim Nu» ou, mais recentemente, «Cosmopolis».
Foi quando se colocou a hipótese de realizar o primeiro episódio da 2ª temporada da série «True Detective», e a recusou, que Cronenberg decidiu pegar num argumento há muito escrito para um filme, que não saiu da gaveta, e o acabou por verter para romance. Que já há quem queira precisamente transformar numa série televisiva, à partida sem que ele esteja interessado em nela participar, seja como realizador, seja como produtor.
Em «Consumés», agora publicado pela Gallimard, existem dois casais muito diferentes: Naomi Seberg e Nathan Math são dois jovens fotojornalistas bastante ingénuos, mas tão materialistas, que só lhes interessam os temas sórdidos, capazes de suscitar o interesse remunerado das publicações para que trabalham. Cruzando-se sobretudo em aeroportos, comunicam preferencialmente pela internet.
Por seu lado Celestine e Aristide Arosteguy são dois filósofos franceses, que já se reformaram das respetivas cátedras na Sorbonne e retratam o tipo de casal que Simone de Beauvoir e Sartre, Sollers e Kristeva ou Louis Althusser e Hélène Rytmann personificaram.
Cronenberg não se guiou apenas pelo modelo de uma dessas famosas duplas, mas em todas se inspirou para criar esses personagens sofisticados e libertinos, com uma forte militância política nas causas em que acreditavam.
Através de Celestine e Aristide aborda-se o tabu do sexo na terceira idade, quando o desejo continua a ser uma possibilidade irreprimível. Enquanto Nathan está em Budapeste a captar imagens das operações clandestinas de um cirurgião polémico, a quem a Interpol procura por tráfico de órgãos, Naomi parte para Tóquio, na companhia de um estudante, que a ajudará a procurar Aristide, cujo desaparecimento parece confirmar a suspeita da polícia em como terá sido o autor material do assassinato da mulher, canibalizada no apartamento parisiense que partilhavam.
Temos, assim, histórias paralelas e alucinadas sobre a tecnologia, o corpo e a morte, e em que o sexo surge em todas as suas facetas, mesmo as mais incomuns: o fetichismo, o voyeurismo e a troca de casais...

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