domingo, janeiro 31, 2016

DIÁRIO DE LEITURAS: «61 horas» de Lee Child

Há umas semanas atrás envolvi-me numa curta discussão no facebook com quem se insurgia por me ver recusar a José Rodrigues dos Santos o qualificativo de «escritor».
Do outro lado acenavam-me com o seu sucesso quanto ao número de livros vendidos, o que me fez logo recordar o meu pai, quando se insurgia contra o meu proclamado ateísmo e as correspondentes blasfémias sobre quem ia em peregrinação a Fátima, disparando-me aquele que julgava ser o argumento inquestionável:
- Mas os muitos milhares que lá vão são todos estúpidos?
Eu, adolescente rebelde, acenava afirmativamente com o gozo próprio de quem se dispunha a sair vitorioso do conflito de gerações com aquela que, segundo Ary dos Santos, tinha sido feita em ceroulas.
Sobre Lee Child pode-se dizer o mesmo que sobre José Rodrigues dos Santos, embora queira acreditar ser-lhe bastante superior na qualidade da escrita: vende livros como pãezinhos e vê-os frequentemente transpostos para o cinema. E também ele foi homem de televisão, já que trabalhou até aos 40 anos na Granada TV até ser despedido numa das suas reestruturações e se viu desempregado aos 40 anos.
Surgiu-lhe assim a oportunidade para enriquecer como nunca imaginara possível: arranjou um pseudónimo (o verdadeiro nome é Jim Grant) e criou um personagem capaz de pôs os norte-americanos a salivar: um antigo polícia militar, que liderara durante algum tempo uma divisão secreta do Exército até ter um conflito sério com um brigadeiro e voltar à vida civil.
Encontramo-lo, pois, na condição do típico cowboy solitário dos westerns, viajando ao acaso por toda a América sem transportar consigo qualquer bagagem: quando a roupa está suja substitui-a por outra entretanto adquirida.
Em «61 horas» ele fica retido em Bolton, no Dakota do Sul, na sequência do acidente com o autocarro em que viajava e não tarda a ajudar a polícia local a proteger Janet Salter, a testemunha de um julgamento com traficantes de droga, cujos cúmplices querem-na eliminar.
Durante uns dias ele faz parceria com Andrew Peterson, o polícia que todos já veem como o futuro chefe, lutando contra a neve, contra os alertas da Penitenciária próxima, que deixa desguarnecida a testemunha, e contra os dealers refugiados junto a uma antiga construção do Exército durante a Segunda Guerra Mundial, donde costumam deslocar-se nas suas impressionantes motocicletas.
As horas vão avançando e, socorrido à distância por quem ocupa agora o seu lugar na secreta 110ª Divisão, ele acabará por compreender que toda aquela história tinha a ver com o que se escondia no subterrâneo dessa construção singular: toneladas de metanfetaminas, que sobrara da Logística de apoio às forças americanas na intervenção contra o nazismo, e uma parte substancial do tesouro de Platão, o chefe dos traficantes, prestes a ali aterrar com o seu avião particular para tudo recolher.
Reacher não consegue evitar o assassinato de Peterson e de Janet Salter, porque descobre demasiado tarde a identidade do assassino ali a soldo de Platão: o próprio chefe da polícia, Holland.
Mas embora no final fique a ambiguidade quanto à sobrevivência do protagonista, quando explode o esconderijo das drogas e dos pertences de Platão, não ficam dúvidas quanto à punição dos mauzões da história.
Assim, voltando ao início e à minha discussão no facebook: é uma história engenhosa e bem contada? É. Vende muito? Upa, upa! Mas é Literatura? Claro que não! Apenas um divertimento competente, que dá para o ex-apresentador da televisão britânica embolsar uma fortuna!

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