segunda-feira, maio 25, 2015

IDEIAS: Será a improvisação uma escola da necessidade?

Que preparação se deve ter para conseguir improvisar? Será que a capacidade para compor no próprio momento decorre exclusivamente do virtuosismo? Quando se improvisa, é-se livre de tudo interpretar?
A conversa de filosofia desta semana na ARTE decorreu entre Raphaël Enthoven e Karol Beffa, que se doutorou em musicologia do século XX e foi premiado como compositor do ano em 2013.
Numa das suas cartas Rilke considerava imprescindível a solidão, que permitisse a máxima concentração de quem quisesse conceber uma obra artística. Como se apenas alcançando as profundezas de si mesmo fosse possível avançar para a expressão de uma criatividade espontânea.
Uma das escolas de improvisação apostava na possibilidade de se esquecer tudo quanto se soubesse e encarar com a máxima virgindade possível o desafio de criar. «Não te esqueças de esquecer!» era a regra que impunha a quem se predispusesse a compor algo num instante bem preciso..
Beffa considera-se doutra escola, influenciada por John Cage, em que o compositor aborda a improvisação como o momento em que opta por escolher dentro de um vasto leque de possibilidades em si interiorizadas como resultado de influências várias.
Mais do que recorrer à memória, o improvisador utiliza o que lhe ficou incrustado ao nível das reminiscências. Será algo de semelhante ao que Kasparov disse um dia, quando descreveu a sua forma de jogar xadrez: limitava-se a deixar as mãos agirem por si mesmas. Como se a improvisação mais não significasse do que uma memória sem recordações.
Quando se trata de escolher um compositor, que muito deva à improvisação, Beffa decide provocar com a escolha pouco óbvia de J.S. Bach. Mas para ele faz todo o sentido: tratando-se de um dos compositores mais cerebrais com que contou a História da Música, ele tem obras, que muito devem a momentos inspirados de improvisação. Depois, e recorrendo à sua memória prodigiosa, Bach tê-los-á vertido para a pauta…
Essa passagem de algo de efémero para a forma escrita pode ser vista como contrária à memória se nos ativermos ao diálogo entre dois faraós tal qual o imaginou Platão no seu «Fedro». Um deles confidencia ao outro:
- Acabo de descobrir algo de absolutamente genial para que tudo perdure: a escrita!
E o outro riposta:
- Estás enganado! Acabas de descobrir o que melhor facilitará o esquecimento!
Nessa lógica, Enthoven questiona: será que a escrita constitui um bom pretexto para o esquecimento?
Beffa prefere colocar a questão conflitual entre a interpretação e a notação em pauta. Porque aquela nem sempre se dispõe a seguir rigorosamente o que foi composto.
A improvisação pode surgir do que se imagina entre as notas da pauta. E Mozart não se privava de, como intérprete, desrespeitar o cânone.  Porque sempre nele habitou algo de criança e a improvisação corresponde, de facto, a algo de infantil. Faz, então, todo o sentido distinguir entre a criação e a criatividade, constituindo esta última uma forma original de interpretar algo que foi criado.

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