domingo, maio 17, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Felicidade» de Will Ferguson (II)

Sou por natureza avesso a livros de autoajuda. Ou a coisas meio esotéricas. Daí que me dispus a ler esta prosa bem humorada sobre tais temas na esperança de sorrir bastante, mas, sobretudo, ver denunciada a vigarice intrínseca de que tais publicações são exemplo lapidar.
No texto anterior deixáramos Edwin a contas com um problema aparentemente insolúvel: encontrara um manuscrito capaz de  resolver-lhe a urgência em publicar um novo título para a coleção de livros de autoajuda da editora para que trabalhava, mas perdera-o ingloriamente ao arremessa-lo para o lixo a exemplo de todas as demais propostas habitualmente colocadas em cima da sua secretária. Agora, perante o regresso do patrão a quem tecera tantos louvores à obra desaparecida, encara com estranha calma a possibilidade de ser despedido.
Enquanto prosseguia a contagem decrescente para o regresso do sr. Mead, Edwin passou o tempo a meter a sua vida em caixas. Limpou a secretária, surripiou algumas disquetes de computador e despediu-se dos colegas que conseguia suportar - e vice-versa.” (pág. 71)
Na manhã de segunda-feira, que prometia ser o dia do seu desenlace profissional, Edwin acordou a pensar em margaridas e compreendeu que Rory, o empregado da limpeza, referira-as, o que só poderia ter acontecido por ter aberto o envelope com o manuscrito desaparecido e onde tais flores surgiam na capa. Esperançado em conseguir recuperar, através dele, o precioso documento, percorre os bairros mais pobres da cidade, mas debalde, porque é o próprio Rory quem vem ao seu encontro, dentro de uma soberba limusina: em apenas dois dias a leitura do manuscrito de Tupak Soiree propiciara-lhe uma enorme fortuna.
Para sua surpresa, Edwin vê o sr. Mead aprovar-lhe a publicação de «O Que Aprendi na Montanha» sem pestanejar. Ele convence-se que, perante a necessidade imperiosa de substituir o Sr. Ética como autor dos livros da coleção de autoajuda, até uma resma de páginas em branco conseguiria o mesmo resultado!
É a May, que Edwin confidencia as dúvidas quanto à conformidade do livro com o que se pretende na coleção: “É perturbante. E as pessoas que compram livros de autoajuda não querem ficar perturbadas. Querem ver a sua autoestima confirmada. Querem ser mimadas e apaparicadas, e aplacadas com a placidez dos chavões.” (pág. 97)
Singularmente também Edwin começa a ceder ao sortilégio suscitado pelo livro: “E qualquer coisa mudou. Qualquer coisa imediatamente abaixo da superfície, como uma veia sob a pele. Foi como se as várias carradas da personalidade de Edwin - os vários defeitos e idiossincrasias, os tiques e os traços que se combinavam para fazer dele o que ele era - começassem lentamente a separar-se. Quase conseguia vê-lo ao espelho, a acontecer diante dos seus olhos. Se libertasse a mente, o processo haveria de…” (pág. 103)
Nessa altura Edwin ainda não imaginava as consequências incríveis, que a publicação do livro causaria em tudo e todos quantos o rodeavam.

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