domingo, julho 03, 2011

Livro: NA SÍRIA de Agatha Christie

Ao concluir-se a segunda guerra mundial, Londres estava em ruínas e os seus habitantes bastante necessitados de superarem anos a fio de medo e de carência na satisfação das necessidades mais básicas. Para a conhecida escritora de livros policiais, criadora de Poirot ou de Miss Marple, a catarse passará por reviver os seus tempos de grande felicidade, quando partilhara com o marido arqueólogo as vicissitudes das campanhas de prospecção na Síria. Daí que pegue nos seus diários de então, e, à distância de alguns anos, se ponha a escrever sobre tudo quanto vivera nessa experiência.
«Esta crónica inconsequente foi iniciada antes da guerra. Depois foi posta de lado. Mas agora, após quatro anos de guerra, dei por mim a pensar cada vez mais naqueles dias passados na Síria, e por fim senti-me impelida a tirar os meus apontamentos e os meus toscos diários para fora e a completar aquilo que começara e pusera de lado. Pois parece-me que é bom recordar que esses dias e esses lugares existiram, e que neste preciso instante a minha pequena colina de calêndulas está em flor, e que os velhos de barbas brancas que se arrastam atrás dos burros talvez nem saibam que existe uma guerra.»
Estão lá as idiossincrasias de árabes, curdos ou de arménios a par das que ela testemunhara nos companheiros de aventura saídos da Europa. O que lhe garante muita graça na forma como as descreve, fazendo lembrar o comportamento da sua mais célebre personagem feminina. Há um motorista, que não sabe conduzir ou um cozinheiro, que nunca vira uma cozinha. Há o encarregado do aprovisionamento, que causa verdadeiros desastres com o seu peculiar sentido de economia (não interessava se as laranjas estavam podres, desde que fossem uma pechincha!), ou o capataz apaixonado por cavalos e que não mede a capacidade para percorrer longas distâncias num deles montado. Ou o sheik ávido de prendas, mas muito displicente nas palavras de acolhimento dos recém-chegados.

Existem também as mulheres, muito recatadas as árabes, mas muito afirmativas as curdas, capazes de extorquirem a féria dos maridos sem nada lhes deixarem.
Esquecendo por algum tempo os seus casos policiais, Agatha Christie ajuda Max a etiquetar e a fotografar as peças encontradas, tornando-se mais uma colaboradora eficaz das escavações feitas em colinas, aonde outrora terão existido povoamentos pré-românicos, aqueles que verdadeiramente lhes interessam.
A leitura de mais esta obra inserida na colecção de relatos de viagens editados pela Tinta-da-China constitui uma experiência muito agradável e demonstrativa da capacidade da escritora inglesa para outro género literário, que não aquele em que ganhou merecida fama.
Importa ainda, e a concluir, considerar que o tempo terá mudado muito a relação entre ocidentais e as populações do Médio Oriente: no livro sente-se uma aceitação e um respeito mútuos, que o advento do terrorismo islâmico estilhaçou. Hoje, já não será tão fácil repetir experiências de vida como as que Agatha Christie aqui relata...

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