O que é hoje o filme «Rien que les heures» não será propriamente o que Alberto Cavalcanti concebeu e filmou em 1926: sem uma cópia fiel do que ele fora na origem, coube às cinematecas possuidoras de algumas bobinas de tal filme recriar a partir daí o que ele poderia ter sido. Assim, embora atribuível a Alberto Cavalcanti, este filme acaba por ser a montagem de várias bobinas por ele rodadas para o projecto de sequenciar impressões sobre o tempo que passa.
Sem uma história, que ligue todas essas imagens - embora aqui e ali se vão sucedendo alguns casos particulares (por exemplo o da ardina, a quem sai a carta da morte numa previsão, e é depois assassinada por um proxeneta apostado em a roubar) - Cavalcanti capta ricos e pobres como se cada fotograma merecesse o esforço de composição de uma fotografia artística.
O realizador não omite essa ligação às artes visuais aproveitando para mostrar alguns dos quadros de alguns dos seus contemporâneos na cidade-luz. Mas não deixa, por isso mesmo, de olhar para a realidade concreta das parteiras ou das sopas dos pobres, por muito que se lhes sucedam as de beijos apaixonados de pares precursores da célebre fotografia de Robert Doisneau.
Estamos num mundo que já desapareceu, feito de muita pobreza e de um crescente fascínio pela velocidade, que a tudo iria varrer.
Apanhado nesse limiar da mudança, Cavalcanti usa as estratégias experimentalistas mais avançadas do seu tempo. Conseguindo um resultado, que ficará aquém do de Vertov ou de Ruttman, mas igualmente interessante.
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