Em 1959 já os efeitos da Guerra se iam diluindo, enquanto as ideologias políticas se iam cristalizando em conceitos cada vez mais rejeitados por uma juventude decidida a tudo querer, com o mínimo de trabalho.
«Noite Brava» é um filme interessante a esse nível, mesmo que de construção ainda imberbe por parte do seu realizador, Pier Paolo Pasolini.
Começamos por assistir à rivalidade entre duas prostitutas, que acabam embarcadas no mesmo carro por Ruggero e Scintillone, dois ladrões apostados em venderem rapidamente as armas armazenadas na bagageira.
Se antes quase se tinham esgadanhado, as duas mulheres, Anna e Supplizia, vêem naqueles clientes a possibilidade de colherem dinheiro suficiente para iludirem a fome nos dias seguintes.
A primeira tentativa de encontrar receptor falha: Mosciarella está a enterrar a mulher, Emma, e adia a compra do material para o dia seguinte. Mas o quarteto passa a quinteto com a inclusão de Gino (ou Bella Bella), o sobrinho do viúvo, que projecta levá-los a outro possível cliente daquela mercadoria. Mas constatam que ele está tão falido quanto eles e, portanto, não é alternativa.
Vale-lhes as duas raparigas, que os levam a Fiumicino à desolada casa de um surdo-mudo, que compra de facto as armas e lhes faculta o aumento do grupo para sexteto com a inclusão de Nicoletta, outra prostituta, que aí acabara de prestar os seus serviços.
Mas, sem quaisquer escrúpulos, os três rapazes contam (e conseguem) levar as raparigas para um ermo, servirem-se delas, e depois deixá-las sem sequer lhes pagarem. O que não prevêem é que, conscientes quanto ao seu carácter, uma delas lhes fique com a carteira.
Bem podem eles procurá-las para reaver o dinheiro, que só virão a reencontrar, e a punir Nicoletta, embora ela não o tivesse consigo.
Mas encontram outro terceto, constituído por três rapazes da burguesia, de sexualidade algo equívoca. Agridem-nos, fogem com eles à polícia, convivem na casa de um deles (oportunidade para Ruggero se apaixonar fulminantemente pela bela Laura, irmã do anfitrião) e roubam-lhes a carteira com mais de cem mil liras.
Mas, porque não conhecem o valor de qualquer sentido de amizade, Ruggero quer expulsar Gino sem lhe dar qualquer dinheiro, distraindo-se o suficiente para que Scintillone se escapule num táxi com o dinheiro.
A noite parece correr bem a este endinheirado, que vai buscar a amada Rosanna aos braços do namorado para a levar para um dos bairros chiques, e possam cear e dançar. Mas a sua fama é ali conhecida pelo que acaba expulso de um restaurante e levado pela polícia. Surge então Scintillone a aproveitar o dinheiro e a rapariga, acabando a gastar todo o dinheiro numa extravagância: manda abrir um restaurante de hotel e contrata uma mini orquestra.
Quando a madrugada desponta, deixa Rosanna na casa dos pais e vai atirar ao leito seco do ribeiro a última nota de mil liras que lhe resta. Na noite seguinte logo verá como arranjar dinheiro para outra sucessão de aventuras inconsequentes. Porque o que está aqui em causa é a perda de valores éticos num tempo de capitalismo exuberante em que o consumo se começa a transformar numa prioridade, independentemente da forma de arranjar dinheiro para o usufruir…
Um filme ainda actual neste tempo de capitalismo exangue, em que prometida está uma assustadora redução dos nossos padrões de qualidade de vida.
Sem comentários:
Enviar um comentário