sábado, abril 02, 2011

Filme: PIER PAOLO PASOLINI, «NOITE BRAVA»

Em 1959 já os efeitos da Guerra se iam diluindo, enquanto as ideologias políticas se iam cristalizando em conceitos cada vez mais rejeitados por uma juventude decidida a tudo querer, com o mínimo de trabalho.
«Noite Brava» é um filme interessante a esse nível, mesmo que de construção ainda imberbe por parte do seu realizador, Pier Paolo Pasolini.
Começamos por assistir à rivalidade entre duas prostitutas, que acabam embarcadas no mesmo carro por Ruggero e Scintillone, dois ladrões apostados em venderem rapidamente as armas armazenadas na bagageira.
Se antes quase se tinham esgadanhado, as duas mulheres, Anna e Supplizia, vêem naqueles clientes a possibilidade de colherem dinheiro suficiente para iludirem a fome nos dias seguintes.
A primeira tentativa de encontrar receptor falha: Mosciarella está a enterrar a mulher, Emma, e adia a compra do material para o dia seguinte. Mas o quarteto passa a quinteto com a inclusão de Gino (ou Bella Bella), o sobrinho do viúvo, que projecta levá-los a outro possível cliente daquela mercadoria. Mas constatam que ele está tão falido quanto eles e, portanto, não é alternativa.
Vale-lhes as duas raparigas, que os levam a Fiumicino à desolada casa de um surdo-mudo, que compra de facto as armas e lhes faculta o aumento do grupo para sexteto com a inclusão de Nicoletta, outra prostituta, que aí acabara de prestar os seus serviços.
Mas, sem quaisquer escrúpulos, os três rapazes contam (e conseguem) levar as raparigas para um ermo, servirem-se delas, e depois deixá-las sem sequer lhes pagarem. O que não prevêem é que, conscientes quanto ao seu carácter, uma delas lhes fique com a carteira.
Bem podem eles procurá-las para reaver o dinheiro, que só virão a reencontrar, e a punir Nicoletta, embora ela não o tivesse consigo.
Mas encontram outro terceto, constituído por três rapazes da burguesia, de sexualidade algo equívoca. Agridem-nos, fogem com eles à polícia, convivem na casa de um deles (oportunidade para Ruggero se apaixonar fulminantemente pela bela Laura, irmã do anfitrião) e roubam-lhes a carteira com mais de cem mil liras.
Mas, porque não conhecem o valor de qualquer sentido de amizade, Ruggero quer expulsar Gino sem lhe dar qualquer dinheiro, distraindo-se o suficiente para que Scintillone se escapule num táxi com o dinheiro.
A noite parece correr bem a este endinheirado, que vai buscar a amada Rosanna aos braços do namorado para a levar para um dos bairros chiques, e possam cear e dançar. Mas a sua fama é ali conhecida pelo que acaba expulso de um restaurante e levado pela polícia. Surge então Scintillone a aproveitar o dinheiro e a rapariga, acabando a gastar todo o dinheiro numa extravagância: manda abrir um restaurante de hotel e contrata uma mini orquestra.
Quando a madrugada desponta, deixa Rosanna na casa dos pais e vai atirar ao leito seco do ribeiro a última nota de mil liras que lhe resta. Na noite seguinte logo verá como arranjar dinheiro para outra sucessão de aventuras inconsequentes. Porque o que está aqui em causa é a perda de valores éticos num tempo de capitalismo exuberante em que o consumo se começa a transformar numa prioridade, independentemente da forma de arranjar dinheiro para o usufruir…
Um filme ainda actual neste tempo de capitalismo exangue, em que prometida está uma assustadora redução dos nossos padrões de qualidade de vida.

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