Orhan Pamuk continua a viver no mesmo prédio em que já cirandava cinquenta anos atrás. Aquela aonde foi assistindo às frequentes disputas domésticas entre a mãe e o pai ou pressentiu as dificuldades por que ia passando a família à medida que o pai e o tio iam falhando na tentativa de evitar a falência das suas empresas.
A casa, para mim, é menos importante pela beleza das suas salas, quartos, mobílias e objectos do que por ser efectivamente um centro do meu universo espiritual. (pág. 95)
Universo espiritual, que se configura igualmente nas ruas da cidade, muito pitorescas para os turistas, mas não para os turcos para quem sugerem a decadência civilizacional de quem julgou ser mais poderoso do que o era na realidade. Daí a tendência para suscitarem uma espécie de depressão colectiva em vez do orgulho chauvinista tão cultivado alhures.
Em Istambul, as pessoas limitam-se a viver no meio desses vestígios históricos. Isso é algo que muitos visitantes ocidentais perceberam e muito apreciaram. No entanto, para os habitantes da cidade mais sensíveis, isso lembra-lhes que a força e a riqueza passadas desapareceram, levando com elas toda uma cultura, e que o presente é incomparavelmente mais pobre e mais baço do que o passado. (pág. 107)
Ler sobre todos os assuntos, mas também sobre esse passado mítico, foi uma tentação em que Orhan incorreu desde muito cedo. Sem saber que essa condição de leitor o levaria a receber, muitos anos depois, o mais prestigiado dos prémios literários.
Logo que aprendi a ler e a escrever, acrescentaram-se de imediato ao imaginário constelações de letras. (…) E lia automaticamente tudo o que me caía nas mãos: os nomes das empresas nos cinzeiros, nos cartazes murais, as informações nos jornais, a publicidade, e tudo o que se encontrava nas paredes, nos restaurantes, nos camiões, nos papéis de embalagem, nas placas rodoviárias, no pacote de canela em cima da mesa, na lata de óleo e nos detergentes da cozinha, e nos maços de cigarros e nas caixas de medicamentos da minha avó. (pág. 134)
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