quinta-feira, março 31, 2011

Livro: ORHAN PAMUK, «ISTAMBUL - MEMÓRIAS DE UMA CIDADE» (3)

Explicará porventura o apego de Orhan Pamuk à sua cidade-natal o facto de ainda viver no prédio aonde passara a infância. Ficarmos presos aos mesmos locais cria um tipo de identificação com o espaço em si, que nada o poderá substituir.
Cinquenta anos depois ainda vivo no mesmo prédio. A casa, para mim, é menos importante pela beleza das suas salas, quartos, mobílias e objectos do que por ser efectivamente um centro do meu universo espiritual. Mas por trás da minha tristeza há a percepção indirecta, confusa e infantil das discussões entre os meus pais, o empobrecimento gradual e  imparável do meu pai e do meu tio devido às falências sucessivas, assim como os grandes conflitos no seio da família por causa da partilha da propriedade. Em vez de assumir o meu desgosto na sua totalidade e de lhe fazer frente, transformara-o num misterioso sentimento, por meio de jogos de ilusão, esquecimentos e mudanças do ponto de vista do meu pensamento. (pág. 95)
E há, ao mesmo tempo, a estranheza de se viver num sítio à medida das diferentes fases da nossa vida, mas marcada por uma história rica, mas reduzida na memória a ruínas:
Mas os vestígios arruinados dos grandes impérios não são, em Istambul, como monumentos históricos num museu à semelhança das grandes cidades ocidentais, não são como objectos que se protegem, de que as cidades se orgulham e que expõem com honra. Em Istambul, as pessoas  limitam-se a viver no meio desses vestígios históricos. Isso é algo que muitos visitantes ocidentais perceberam e muito apreciaram. No entanto, para os habitantes da cidade mais sensíveis, isso lembra-lhes que a força e a riqueza passadas desapareceram, levando com elas toda uma cultura, e que o presente é incomparavelmente mais pobre e mais baço do que o passado. Esses edifícios «adaptados ao ambiente» por falta de manutenção, no meio da porcaria, do pó e da lama - à semelhança dos konak que ardiam um após outro no tempo da minha infância - não nos deixarão por herança o prazer de nos orgulharmos de nós. (pág. 107)
Para o jovem Pamuk só algo de determinante para os anos vindouros viria a sobrepor-se à atenção com que via os movimentos de pessoas e de veículos na cidade: a voracidade pela leitura. Seria essa a ferramenta, que abriria asas à sua imaginação e talento até o tornar no celebrado autor turco galardoado com um Prémio Nobel...



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