quarta-feira, março 30, 2011

Livro: LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO, «O CLUBE DOS ANJOS»

Imaginemo-nos na pele de um escritor a quem é confiada a tarefa de escrever um romance subordinado ao tema «Plenos Pecados». O da gula, por exemplo.
Como o faríamos? Que personagens escolheríamos? Em que circunstâncias as levaríamos até ao desiderato natural de todos os plenos pecados, que é, segundo a mitologia católica, a morte?
Eis o que deverá ter pensado o escritor Luís Fernando Veríssimo, quando se viu a contas com a encomenda. E, se escritor existe, que não se deixa intimidar com tal tipo de desafio é ele. Senão tenhamos em conta as saborosas crónicas publicadas semanalmente no «Expresso» durante anos. Ou a série brasileira «Comédia da Vida Privada» em que o argumento era da sua autoria.
Nesta série figurava um episódio com a grande actriz Fernanda Montenegro, que jamais esquecerei: aquele em que um homem de meia idade faz uma viagem nostálgica à sua cidade natal e ali se aloja em casa da sua tia preferida, que o trata com o maior dos desvelos, aproveitando ambos para evocar gratas recordações dos anos da sua meninice. Até ele vir a descobrir na despedida, que se enganara na estação de comboios em que descera e estivera noutra cidadezinha, que lhe era perfeitamente desconhecida.
No caso deste romance temos um grupo de homens também já maduros, que terão crescido juntos desde crianças e se encontram mensalmente para uma experiência gastronómica, que sirva para realimentar aquela mística de grupo, que tanto prometera mudar o mundo à sua volta, mas deixara este mudá-los para pior, até ao tédio. Até à irrelevância.
É então que lhes aparece Lucídio, um cozinheiro excepcional, que volta a suscitar o maior dos entusiasmos aos convivas. Com um custo elevado: em cada uma das refeições, e por ordem (quase) alfabética, cada um deles vai morrendo envenenado. É assim que morrem Abel, André, João, Marcos, Pedro, Paulo, Saulo e Tiago - todos eles com nomes bíblicos e cada qual com direito a um epitáfio retirado do «Rei Lear» de Shakespeare.
Restarão Samuel (sobre quem Lucídio cumpriria a sua vingança pessoal por ter sido o autor do envenenamento do seu amante, Ramos) e Daniel, a quem lhe são dadas as semanas necessárias para reproduzir em livro aquela estranha história.
Livro ligeiro, sem grandes motivos de celebração, mas capaz de gerar prazer (não mortal, espera-se!) de leitura, «O Clube dos Anjos» constitui exercício curioso para constatar como se poderá pegar em qualquer tema e tratá-lo com imaginação...

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