Uma das mais enriquecedoras heranças recebidas de J.S. Bach foi a tradução musical da sua crença em Deus. Inspirado pelo luteranismo, para o qual a música deveria ser encorajada como veículo de de glorificação e de comunicação com o divino, Bach surge em contraponto a uma austeridade católica, que associava essa arte às danças, à folia e, portanto, ao pecado.
Passando pela sua obra muitas das vias por onde a música dos séculos subsequentes se exprimiria, Bach continua a ouvir-se com um enorme agrado, mobilizando multidões de espectadores um pouco por todo o lado.
Um programa com obras suas, tal qual foi concebido pelo Divino Suspiro para o seu espectáculo de 5 de Março no CCB, tinha antecipadas razões para constituir um bom espectáculo. Que o foi, apesar das limitações evidentes de uma orquestra ainda demasiado tímida para ambicionar um maior e merecido reconhecimento e de cantores de segunda linha.
Estava em causa a interpretação de quatro peças: a BWv106, conhecida precisamente pelo nome que dava ao espectáculo em si («Actus Tragicus»), o BWV150, o BWV1052~1 (Concerto Brandeburguês nº 6) e o BWV18.
A direcção musical foi assegurada pelo competente Kenneth Weiss, que se filia na escola do seu mestre William Christie, e que tocou simultaneamente órgão ou cravo.
As vozes foram as da soprano catalã Maria Hinojosa Montenegro, do contratenor suíço-argentino Martin Oro, do tenor Fernando Guimarães e do baixo Hugo Oliveira. Sobressaindo este último com a sua voz grave e poderosa, impressionante para o seu corpo franzino.
Se as vozes cumpriram o seu papel, foi a orquestra em si a melhor entusiasmar os melómanos presentes com a competência dos seus intérpretes com particular destaque para Massimo Mazzeo e Luca Giardini no Concerto Brandeburguês.
Mais frustrante para os objectivos do compositor, ao conceber as suas obras, foi a incapacidade de elas demoverem um ateu convicto como é o meu caso de se render às evidências de uma fé religiosa aqui enaltecida...
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