quinta-feira, março 17, 2011

Livro: ALVARO MUTIS, «CHEGA COM A CHUVA» (2)

A morte do comandante Wito  obriga Maqroll a procurar a subsistência na capital panamiana, que alcança em curta viagem de comboio.
Desconheço se a referência, que Mutis faz à reminiscência das paisagens asiáticas terá algo a ver com os romances de Joseph Conrad, mas o romance segue por esta altura essa notória influência literária: A paisagem tropical da zona com a sua vegetação de folhas reluzentes de um escuro verde metálico, o calor que entrava pelas janelas abertas em busca de um improvável ar refrescante, a gritaria da passagem, transferiram-me para uma qualquer colónia europeia da Ásia.
A falta de dinheiro e a completa indefinição quanto ao dia seguinte convence-o de imediato quanto à probabilidade de ficar a vegetar por muitos meses naquele istmo de aguaceiros intermináveis e pausadas ondas de temperatura de banho turco.
Até porque desconhecedor dos mais comezinhos aspectos da vida ali ele sabia de ciência certa - feita da sua experiência -  que enquanto uma pessoa não se familiariza com esse secreto ritmo próprio de cada cidade, é inútil empenhar-se a procurar um ofício que valha a pena.
Mas a depressão acaba por vencê-lo: a chuva permanente enclausura-o no quarto da pensão miserável, dilatando-lhe cada vez mais no tempo as esporádicas visitas a um bar a que se habituara.
É nele, que acaba por lhe acontecer o milagre redentor. Fora numa tarde de sol deslumbrante, que parecera afastar de vez a irritante chuva. E surge-lhe vinda do passado a adorada Ilona: Vi-a de costas, manipulando uma das máquinas que produzia toda a espécie de ruídos e campainhas anunciadoras de um acerto de figuras. Hesitei um instante. Era quase impossível estar no Panamá, se me guiasse pelas últimas notícias que tinha dela.
Mutis, pela voz de Maqroll, não nos poupa então as informações, que melhor caracterizam essa personagem determinante para o desenvolvimento da sua história: Nunca se lhe conheceu um homem por muito tempo. Mas conservava para com os amigos, alguns dos quais tinham sido amantes ocasionais, uma lealdade a toda a prova e uma preocupação pelo que pudesse suceder-lhes que, com frequência, chegava até ao sacrifício.
E acrescenta: Tinha essa capacidade de esquecimento absoluto em relação àqueles que tinham violado as leis não escritas que ela impunha à amizade e que se estendiam, em boa parte, a toda a relação de negócios  ou de qualquer ordem que lhe surgisse na vida. Bem como a especialidade de aparecer e desaparecer das nossas vidas. Ao partir, fazia-o sem que pesasse sobre nós qualquer culpa, nem houvesse, da nossa parte, motivo para nos considerarmos enganados. Ao chegar, trazia uma espécie de renovada provisão de entusiasmo e essa capacidade tão sua  de dissipar, num instante, todas as nuvens que se tivessem acumulado sobre nós.

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