A literatura colombiana não se resume a Gabriel Garcia Marquez como fica demonstrado neste belo romance de Álvaro Mutis. Que mais do que o realismo mágico do seu compatriota, opta por outra corrente de escrita igualmente aliciante: a das viagens, principalmente por mar.
Maqroll, o Gajeiro, narrador de «Chega com a Chuva», insere-se na tradição de uma literatura sobre o mesmo tema, que já tivera no início do século XX o seu grande autor: Joseph Conrad.
E como nesse grande escritor anglo-polaco essas viagens acontecem, amiúde, em navios decrépitos aportados aos mais exóticos dos portos.
Neste caso será Cristobal, o porto do Canal do Panamá na costa atlântica. E logo de início se anuncia o desastre anunciado: Quando vi que a lancha cinzenta da guarda se aproximava com a bandeira do Panamá agitando-se ufana à popa, soube de imediato que tínhamos chegado ao fim da nossa acidentada travessia.
A primeira pessoa do plural tem a ver, sobretudo, com o comandante do navio, Wito, e com o contramestre, seu mais próximo cúmplice naquela tripulação, o contramestre: Cornelius era um holandês gorducho, de baixa estatura, sempre chupando um cachimbo com tabaco da pior espécie. (…) No começo da nossa viagem, pareceu demonstrar-me uma certa desconfiança nascida dessas susceptibilidades que atacam os homens do mar quando atingem um lugar de comando.
É por este contramestre holandês, que ficamos a saber das razões para a inevitável degenerescência do comandante: o que cagou o destino do pobre Wito foi a fuga da sua filha única com um pastor protestante de Barbados, casado e com seis filhos.
Enviuvado e reduzido a si mesmo, Wito tinha impresso em qualquer lugar do seu ser esse ferrete que distingue os vencidos e acaba por isolá-los irremediavelmente dos seus semelhantes.
Quando a sua luta para manter-se independente de qualquer poder deixa de fazer qualquer sentido e já não sobra qualquer dinheiro para manter a navegar o seu decrépito navio, Wito mata-se: o disparo soou como um seco estalo de madeira. As duas gaivotas que dormitavam na Antena levantavam voo.
Para Maqroll torna-se inevitável a busca de outro sustento, por muito que aquele já há muito fosse incerto. Mas, por agora ele esclarece para os leitores como chegara até ali e começara a trabalhar para esse Wito agora levado num saco de plástico cinzento.
O que distinguira aquele navio, o «Hansa Stern» de todos os demais era a sua cor inusitada: era um cargueiro pintado de um amarelo raivoso, como apenas vi na garganta dos tucanos de Carare.
Encontrara-o em Nova Orleães, quando se estavam a esgotar os irrisórios dólares resultantes da venda do seu miserável negócio de acessórios para a pesca do alto mar.
O transporte marítimo já estava em acelerada crise, como lhe explica Wito: Não há carga e cada vez aparecem mais companhias aéreas, meio piratas, que com três velhos DC-4 transportam carga aérea a uns preços que não sei como lhes chega para a gasolina.
Maqroll aceita a oferta de Wito apesar das dúvidas quanto à viabilidade dos dois fretes que, supostamente, lhes iria permitir a fuga ao atoleiro em que se encontravam. Como suspeitara desde o começo, os negócios, não correram como Wito nos pintara.
Mas Maqroll conhecia Wito de muitas vivências anteriores: Conheci Wito em Chipre, quando Bashur e eu procurávamos um cargueiro para transportar uma mercadoria pouco convencional, como eu e Abdul tínhamos resolvido chamá-la entre divertidos e cautelosos.
Depois, mais tarde, soubera da morte da esposa do capitão, quando estava a liquidar o infernal negócio da mina de Cocara. Falecera em Willemstad por causa de uma febre tifóide mal curada.
Nos últimos meses, Maqroll pouco fizera a bordo do «Hansa Stern»: As minhas responsabilidades iam-se reduzindo a bem pouca coisa: registo do consumo e pagamento do combustível, a lista de trabalhadores que compreendia quinze marinheiros, o cozinheiro e cinco maquinistas; a provisão e controlo dos víveres e uma ou outra compra ocasional e sem importância.
Supersticioso, Maqroll entende estar sob o sortilégio de uma sorte adversa, conjuntamente com aqueles companheiros de ocasião: uma dessas sombrias fatalidades de cada um de nós em particular, que entrava em conjunção com a força de uma tormenta incontrolável.
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