segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Livro: ORHAN PAMUK, «ISTAMBUL - MEMÓRIAS DE UMA CIDADE» (1)

1.
Há autores, como Conrad, Nabokov, Naipaul, que conseguiram escrever mudando de língua, de nacionalidade, de cultura, de pátria, de continente e mesmo de civilização. A criatividade, neles, foi buscar alento precisamente ao seu exílio ou migração. Da mesma forma, sei que a minha ligação à mesma casa, à mesma rua, e à cidade, influenciaram a minha identidade. Esta ligação a Istambul significa que o destino da cidade passa a fazer parte do carácter dos seus naturais. (pág. 14)
Esta citação de Orhan Pamuk logo no início do seu ensaio autobiográfico sobre a sua cidade, faz como que uma segregação entre dois tipos de escritores. Há os que se estimulam na permanente descoberta, que a viagem para o desconhecido provoca, e há os que falam do que muito bem conhecem de si e do espaço aonde cresceram.
Pamuk será destes últimos: existe uma ligação quase indissociável entre a sua cidade e as inquietações, que o movem para a escrita.
A cidade é um pouco ele mesmo, porque seria completamente diferente se tivesse nascido num qualquer outro lugar. Mas o mesmo sucede em relação à sua rua ou à classe social onde cresceu. O que permite concluir uma óbvia certeza: mesmo quando crescemos numa geração de pessoas com vivências semelhantes dentro do mesmo espaço , existe sempre um factor identitário, que nos torna únicos.
2.
Cada novo olhar para aquelas fotografias evocava em mim a importância da vida e dos instantes que quisemos preservar do tempo para os pôr em realce no interior de uma moldura. Observando ao mesmo tempo o meu tio que interrogava o meu irmão mais velho sobre um problema de matemática e uma fotografia dele tirada trinta anos antes, ou entoa o meu pai a folhear as páginas do jornal e a ouvir as piadas que se diziam à volta, como podia adivinhar pelo seu sorriso, ao lado de uma fotografia dele com cinco anos, em que exibia como eu, o cabelo tão comprido como o de uma rapariga, tinha de súbito a impressão de que a existência era feita para oferecer oportunidades de viver esses momentos especiais que se metiam dentro das molduras. (pág. 21)
Interessante é a evolução que as fotografias foram tendo na vida das pessoas ao longo do século XX. Esta reflexão de Pamuk sobre a vida ser feita de momentos capturáveis por uma máquina fotográfica e doravante perduráveis em molduras, teve razão de ser enquanto era a rotina dos mesmos gestos o que caracterizava os seus dias e anos. Tudo o que sobressaísse desse ritmo uniforme valia a pena registar. Só que a aceleração do que se faz, o aumento dos rendimentos, o acesso progressivo a mais bens hedonísticos, deixa de justificar esse desejo de conservar memórias. Porque o mais importante passa a ser o que ainda se irá viver e não o que se viveu. As imagens que se criarão interiormente em nós do que as já deixadas para trás.

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