domingo, fevereiro 20, 2011

Filme: MICHEL GONDRY, LEOS CARAX e BONG JOON HO, «TOKYO!»

As minhas frequentes passagens por Tóquio, até há uma dúzia de anos atrás, deram-me a convicção de que aquela gente não são propriamente terráqueos: se os extraterrestres chegaram ao nosso planeta terá sido por aquele arquipélago asiático, que decidiram ficar, tão diferentes são os usos e costumes ali praticados, em relação aos nossos.
Terá sido algo de semelhante, que terão sentido três realizadores diferentes ao fazerem da capital nipónica o centro de outros tantos filmes que, em conjunto, se nos apresentam sob este título comum: «Tóquio!».
O primeiro episódio é de Michel Gondry e os sonhos estão uma vez mais presentes, mesmo que transpostos para uma realidade assaz complicada para os jovens locais. De facto, Akemi e Hiroko chegam a Tóquio numa noite de chuva intensa e alojam-se em casa de uma amiga dela, mesmo tratando-se de um minúsculo apartamento.
O objectivo será o de mostrarem o filme realizado por Akemi numa sala pouco conhecida, mas que poderá constituir o ponto de partida para o almejado sucesso vivido a dois. Mas a irresponsabilidade de ambos acaba por os perder e se Akemi arranja um modesto emprego a fazer embrulhos numa loja, Hiroko vai perdendo o contacto com a realidade, acabando por se transformar numa cadeira e viver em casa de um desconhecido, cuja vida vai partilhando sem ele disso se dar conta.
De forma simbólica estão omnipresentes questões como a da falta de oportunidade para os mais jovens, as dificuldades em arranjar alojamento e de como a falta de ambição torna descartáveis quem a não consegue recuperar.
No segundo filme, Denis Lavant volta a interpretar um personagem à margem da sociedade, saindo dos esgotos para semear o nojo, o medo e a morte entre quem tem o azar de com ele se cruzar. Os noticiários televisivos dão conta do estado de sítio vivido na capital enquanto ele não é capturado. E a explicação para os seus actos é simples: decidiu atacar os japoneses porque têm uma elevada longevidade e olhos em forma de vagina.
Condenado à morte por enforcamento, nada parecerá capaz de o exterminar.
Carax regressa assim a um tema muito recorrente no cinema japonês do tempo da guerra fria, quando Godzillas e outros monstros vindos de fora semeiam o pânico na estruturada sociedade japonesa. O racismo está, pois, subjacente, a uma história, que não deixa de evocar os efeitos criminosos desse modo nipónico de reagir ao que é diferente: o massacre de Nanquim, por exemplo, bem explicito num cartaz exposto no túnel subterrâneo aonde se acolhe o temido agressor. E há também a piscadela de olho a um dos mais memoráveis filmes de Nagisa Oshima.
O terceiro episódio, da autoria de Bong Joon Ho mostra o conhecido tema dos hikikomori, ou seja, desses solitários, que se encerram em casa, eximindo-se ao convívio com quaisquer outras pessoas. Mas, em breve, se conclui que não se trata de um ou outro caso isolado: toda a cidade desertifica porquanto todos se encerram em casa. E até as pizzas são entregues por robôs. Resta, porém, a esperança de um final em aberto, quando são os que se isolam, quem procura resgatar os que se preparam para os imitar.
Depois do desemprego, da falta de casas ou do racismo, temos, pois, a solidão, a incomunicabilidade entre as pessoas. Tudo questões, que muito têm a ver com os japoneses. E, no fim de contas, também connosco, que somos capazes de ser também tão extraterrestres quanto aqueles estranhos seres… pelo menos quanto a estas matérias!

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