segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Filme: CLÁUDIA LLOSA, « A TETA ASSUSTADA»

Quem canta seus males espanta!
Perpétua está a morrer e ainda canta uma melopeia monocórdica. É a sua história. De quando era ainda tempo de terrorismo e a violência ainda conseguia ser mais cruel. No seu caso, violaram-na e obrigaram-na a comer o pénis ainda morno do seu assassinado Josefo.
É nessas memórias, que Fausta cresceu. Sempre assustada. Porque quem foi gerado no terror, no terror fica sempre a viver. No hospital identificaram-lhe uma batata na vagina. E querem-na retirar. Mas ela recusa: sempre é uma forma de protecção contra os homens, esses sempre potenciais violadores.
O seu problema imediato é outro: levar o cadáver da mãe para a sua aldeia natal. Para o que carece de umas largas centenas de soles, que os tios - a contas com o casamento da prima - não lhe podem emprestar.
Fausta vai, então, servir para casa de uma pianista em crise de inspiração, mas que lhe promete as pérolas de um colar quebrado se ela lhe cantar as suas canções inventadas. Por exemplo uma que fala em sereias…
É o confronto entre dois mundos tão diferentes: o da pobreza dos subúrbios, aonde impera o mau gosto das imitações de quanto se vê nas telenovelas, com o de uma sofisticação empobrecida numa classe já distante dos seus melhores dias.
O que a pianista faz é sugar de Fausta o que ela lhe pode dar: uma autenticidade, que disfarça os seus impasses e a fazem manter um sucesso ilusório. Sem pretender depois corresponder aos seus compromissos.
Mas Fausta acaba por se apropriar do que é seu: essas pérolas, que lhe garantem o passaporte para a sua almejada viagem com o cadáver. Que não chegará ao destino previsto. Porque, pelo meio, surge a costa do Pacífico, e é nas suas margens desérticas, que o corpo de Perpétua repousará em paz…
No mínimo, o filme de Cláudia Llosa é diferente de tudo quanto nos habituamos a ver. Há um certo realismo mágico associado à crueza das imagens de uma América Latina paupérrima em valores e em bens de consumo. A luta de classes está lá, mas as gentes assustadas não parecem capazes de romper um estado das coisas, que se catalisa em festas de ocasião.

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