domingo, fevereiro 27, 2011

Livro: MARK TWAIN, «A VIAGEM DOS INOCENTES» (11)

Para um ateu convicto, que dá tanto crédito à mística cristã como à de qualquer outra religião - sempre forma de instilar ópio no povo, como dizia Lenine - será sempre motivo de admiração, que as atitudes meio tresloucadas de um místico pudessem disseminar-se pelos séculos fora e por toda a Europa e Américas de forma a influenciar os usos e costumes de gerações.
E, no entanto, constata-o Twain na sua visita pela Galileia, aquilo era um território exíguo e inóspito, aonde quase todos se conheciam.
A dimensão épica, que os defensores dessa doutrina religiosa  criaram é uma mera elucubração sem sentido. Mas, também o confirma Twain: a realidade por si presenciada acaba por ser tão diferente do que sobre ela lera em livros assinados por outros viajantes anteriores. Que terão visto maravilhas aonde só sobrava miséria e desolação!
Até as águas supostamente azuis do Lago Tiberíades nada devia a essa cor bem definida!
Uma fraude, assim constata um dos companheiros de viagem do autor, que se prepara para esmagar uma tartaruga, quando se descobre eivado do logro de não se ouvir dela qualquer cântico, consoante lho tinham prometido os panegíricos cristãos.
Que tudo quanto Jesus representa seja uma colossal mentira, poucos ainda se atrevem a proclamá-lo. Afinal não foi ainda há muito tempo que a Inquisição enviava para a fogueira quem se atrevesse sequer a pensá-lo. E no mundo islâmico perdura idêntico fanatismo por quem considera ridículo aquela imagem de homens barbudos a darem cabeçadas no chão de rabo para o ar.
Se altura há em que Twain transige numa certa complacência para com a mística religiosa é à noite. Quando se pode aceitar alguma margem para a magia do transcendente:
À luz das estrelas, a Galileia não tem fronteiras para além da vasta bússola dos céus, e torna-se num teatro com capacidade para grandes eventos, adequado para uma religião que pode salvar o mundo, bem como para a Figura majestosa que dominará a cena, proclamando os seus mais altos decretos. Porém, à luz do sol, dizemos: será mesmo pelos feitos realizados e pelas palavras ditas há dezoito séculos nesta pequena área de rochas e areia que hoje badalam os sinos nas ilhas dos mares remotos e por toda a imensa extensão de continentes que abarcam a circunferência do vasto globo?
É coisa que só podemos compreender quando a noite esconde todas as incoerências e nos proporciona o teatro digno de tão grandioso drama. (pág. 531).

Sem comentários: