quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Filmes: ABEL FERRARA, «POLÍCIA SEM LEI» e WERNER HERZOG, «POLÍCIA SEM LEI»

A polémica ainda não tem dois anos. Ao estrear-se o seu filme, Werner Herzog negava qualquer conhecimento da versão da mesma história, dezassete anos antes realizada por Abel Ferrara. Mas tendo-o ou não conhecido, Herzog tudo fez para que essa mesma história redundasse num outro filme. Por um lado mudando-a de Nova Iorque para a cidade de Nova Orleães acabada de ser fustigada pelo furacão Katrina. E por outro ao mudar completamente a perspectiva induzida no espectador pela evolução da intriga.
Aonde Abel Ferrara demonstrava, uma vez mais, que o seu cinema não existe para entreter o espectador, incomodando-o com a abjecção mais insuportável (violações, insultos machistas, etc), nem sequer lhe dando o paliativo de um final minimamente tranquilizador, Herzog prefere confundi-lo. O seu Terence, interpretado por Nicholas Cage, é muito diferente do hediondo Harvey Keitel da precedente versão. Nesta, mais recente, o polícia corrupto e toxicómano luta contra os seus próprios demónios, tudo fazendo para se redimir.
Herzog consegue ser tão cínico nessa ambivalência do personagem que, para satisfação do público norte-americano das sessões de pipocas e de baldes de coca-cola não lhes deixa de propiciar um quase final cor-de-rosa em que tudo se parece compor como se se tratasse de um estalar de dedos. Ou do delírio psicadélico de uma valente pedrada com heroína ou cocaína. Para logo o desmentir na cena seguinte em que o início e o final do filme se interligam com personagens mergulhados dentro de água a questionarem-se sobre se os peixes sonham…
Se ambos dão uma imagem cáustica de uma América enleada  em vícios vários (além da droga, há o alcool e o jogo!), qualquer dos filmes acaba por ter um efeito perturbador: se o de Ferrara constitui um violento murro no estômago, o de Herzog transfere para  nós a tremenda confusão na cabeça do protagonista. Como se as imagens já não tivessem a ver com a nossa racionalidade, mas apenas nos transferissem para a cabeça de quem olha à volta e só vê iguanas e lagartos a tentarem sobreviver num espaço recheado de terríveis ameaças.

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