Que fique claro: por muito que lhe admire muito do que escreveu, o universo pessoano está-me tão distante quanto o estão as estrelas da constelação de Betelgeuse.
Não possuo estados de alma torturados sobre a existência e todas as questões relacionadas com os destinos pátrios esbarram na minha ideologia internacionalista.
Significa isto que me dispus a ver o «Filme do Desassossego» como obra artística em si sem me preocupar propriamente com o conteúdo filosófico a ele subjacente.
Primeira dificuldade, ou antes segunda, já que essa falta de empatia temática me distanciava de imediato do objecto em si: a torrente de palavras. E aqui há um paradoxo: se o cinema deverá ser sobretudo o tratamento de um discurso (ficcional ou ensaístico) por imagens, Botelho vê-se obrigado (por veneração a Pessoa) a querer dar tanta importância à verbosidade das ideias como à sua representação por fotogramas. O que é tarefa complicada porque, sobretudo, por culpa da belíssima fotografia de João Ribeiro, acaba por ser fácil abstrairmos dessas palavras para apreciarmos os enquadramentos felizes de Lisboa nas horas crepusculares do início ou do fim do dia.
E é esse o argumento para ter gostado tanto do filme: nunca Lisboa foi tão bela nos ecrãs de cinema como neste filme. E só por isso vale a pena vê-lo.
Poderia, é claro, falar da descoberta de Cláudio da Silva como actor a ter em conta em futuros desempenhos. Ou de como outras curtas interpretações (Rita Blanco, Alexandra Lencastre) me pareceram ajustadas ao pretendido. Porque quanto ao desassossego em si deixemo-lo a Pessoa e a quem o continuam a idolatrar.
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