quarta-feira, dezembro 30, 2020

(DL) A gelada e tempestuosa Terra do Fogo

 

Dos muitos sítios onde aportei Ushuaia e Punta Arenas foram dos mais memoráveis. Situadas no extremo sul da América do Sul as duas cidadezinhas, uma argentina, a outra chilena, serviram de refúgio ao «Funchal» numa altura em que falhámos a passagem do Cabo Horn por causa de violentíssima tempestade, que justificou rota mais calma através do Estreito de Magalhães. À volta de ambas, ou para a elas chegar, vi céus plúmbeos como nunca descortinados noutras paragens e, sobretudo, glaciares com os azuis mais impressionantes na sua limpidez quase homogénea.

Para norte estende-se essa Patagónia que Luís Sepúlveda dizia ter estepe propícia ao silêncio dos humanos, porque a voz poderosa do vento conta sempre donde provem. E silêncio foi sensação tida em ambas as cidades, porque quase desérticas nesses idos de março em que as visitei. E também extremamente caras: recordo que na cidade argentina decidi jantar num dos seus restaurantes, mas achei-lhes os preços tão absurdamente caros, que logo falou a sensatez de buscar a bordo o consolo para o estômago.

Não encontrei, pois, as personagens típicas dos romances do escritor chileno desaparecido há oito meses com o malfadado covid. Mas as ruas eram credíveis como destino dos seus aventureiros que perderam as respetivas bússolas e ali buscavam a porta de entrada para novos caminhos.  Mesmo que os demónios trazidos de outras paragens ali se mostrassem avessos a finalmente os abandonarem. Mas dali é conhecido o conselho de nunca fazer meia-volta para regressar donde se vem, sob pena de atrair o azar. Na austral Patagónia a orientação é sempre a de seguir sempre em frente. E assim também sucedeu com o navio que, liberto das tempestades atlânticas, não tardou a, nos dias seguintes, encontrar as bem mais tranquilas águas do Pacífico. 

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