domingo, dezembro 13, 2020

(EdH) Quando os saberes antigos resultaram na revolução renascentista

 

Ao olhar para as estátuas criadas por Miguel Ângelo é inevitável reconhecê-las devedoras das obras da Antiguidade Clássica. Mas se os artistas italianos do século XV foram influenciados pelos que ali mesmo os haviam antecedido, quando Roma estava no auge do seu poder imperial, souberam ir mais além criando algo de novo. A época tornou-se fértil em invenções radicais, que possibilitaram aos discípulos a rápida superação dos mestres. A anatomia ganhou um aprofundamento como até então fora desconhecido, surgiram os primeiros relógios portáteis, calcularam-se os movimentos das órbitas dos planetas, as viagens marítimas alargaram horizontes mediante o recurso a equipamentos de navegação baseados na leitura da posição das estrelas. Inventou-se a perspetiva e tornou-se rigoroso o cálculo dos esforços de estruturas sem o qual as grandes cúpulas não seriam possíveis. E a imprensa contribuiu para divulgar os conhecimentos para outras camadas sociais que não as elites, sobretudo eclesiásticas.

E, no entanto, na Roma do século I d.C. havia saber bastante para que a cúpula da Basílica de São Pedro fosse construída. Infelizmente as invasões bárbaras cerceariam uma dinâmica de aprofundamento do saber, que conheceria a sua mais sombria hora, quando o Império Romano do Ocidente seria derrubado, legando a Constantinopla o testemunho de se manter bastião da Antiguidade num mundo doravante mergulhado nas trevas da ignorância e do preconceito, que caracterizariam o longo período medieval. Nas bibliotecas das margens do Bósforo acumularam-se os conhecimentos herdados dos antigos gregos e romanos, mas também os devidos aos árabes ou aos indianos.

Uma rixa entre comerciantes venezianos radicados em Constantinopla e a população local iria ter um desenlace inesperado nos anos seguintes quando o imperador bizantino deu razão aos seus súbditos e mandou castigar e confiscar os bens dos estrangeiros. Veneza que estava a organizar uma cruzada para a reconquista dos lugares santos do Médio Oriente desviou o objetivo dos que conseguira arregimentar e ordenou-lhes a conquista de Constantinopla. Em 1204 a vitória ficou consumada com a pilhagem da cidade e o seu imperador em fuga capturado, torturado e executado.

Para fugirem ao caos subsequente muitos dos sábios da cidade emigraram para Itália, levando consigo as suas ricas bibliotecas. Reside nesse facto a explicação porque o Renascimento nasceu ali.  Um milénio depois de ter esquecido todo o rico legado de saberes antigos, a Europa Ocidental recuperava-os graças a essa migração. 

Florença, cidade-estado com 50 mil habitantes era então uma das mais avançadas da época. Comparativamente com a nossa seria uma espécie de Silicon Valley. E a sua elite decidiu mandar construir a notável Catedral de Santa Maria dei Fiore, que muito deveu ao talento e engenho de Filippo Brunelleschi. Se a sua cúpula - indispensável símbolo de poder - atingiu dimensões nunca até então alcançadas, só a criação de guindastes e outros equipamentos de elevação a tornaram exequível. E mesmo não lhe sendo possível atribuir a invenção da perspetiva, é esse genial engenheiro quem lança as bases para aquela que será uma das determinantes inovações na pintura, vindo a conferir-lhes um realismo capaz de suscitar a admiração dos seus contemporâneos. Que se encantaram com a Primavera de Botticelli onde já se podia comprovar essa inédita revolução estética. 

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