segunda-feira, dezembro 28, 2020

(DL) O futuro próximo na perspetiva de Don DeLillo

 

Talvez a vacinação nos dê termo à “insónia em massa desta época inconcebível”, feita só de presente, porque o passado é só memória e o futuro um ponto de interrogação sem resposta. O mesmo estado em que se encontram os personagens deste mais recente do escritor norte-americano a quem teria preferido ver atribuído o Nobel em vez do baladeiro conhecido por alertar para as mudanças suscitadas pelos tempos, mas que até o fizeram natural investidor de empresas de fabrico de material de guerra. Pelo contrário DeLillo não se tem limitado a adivinhar o que o futuro próximo contemplará: ele fundamenta-lhe os contornos. Não espanta, pois, que tenha concluído este romance poucas semanas antes da pandemia incidir fortemente no seu país. A exemplo do que acontecera nos seus romances anteriores ele coloca os personagens no eixo de interrogações, que os desconcertam por se confrontarem com acontecimentos inesperados, mas suficientes para os deixarem num limbo labiríntico sem aparente saída.

No início do romance temos um casal, Jim Kripps e Tessa Berens a regressarem de Paris num voo interminável em que vão alimentando uma conversa banal, porque o sono não lhes chega. A expetativa é chegarem a tempo de verem a final da Superbowl desse ano de 2022, acontecimento de incompreensível relevância para a enormíssima maioria dos americanos. No entretanto há quem os espere em Manhattan: um casal, Diane e Max, além de um ex-aluno dela Martin, também entretidos numa conversa de circunstância. Até que se dá o evento: todas as redes digitais se silenciam deixando-os numa barra sem rede de proteção onde a insegurança do desconhecido os tolhe. Deixa então de ter importância o que o telescópio no Chile desvenda, qual a marca preferida de whisky ou o manuscrito de 1912 sobre a Teoria da Relatividade. Entre Diane e Martin sugere-se uma atração erótica, que não escapa a Max, decidido a ir à rua indagar o que se passa sem nada dela informar quando regressa.

A urgência sexual também acontece com Jim e Tessa no hospital de Newark para onde, feridos, são transportados na sequência da queda do avião devido ao apagamento súbito de todos os aparelhos a bordo. Numa casa de banho o casal entrega-se à satisfação do desejo como se não existisse mais um amanhã.

Embora reduzindo a narrativa a menos de cem páginas, Don DeLillo volta a prenunciar os comportamentos humanos numa era de perplexidades. E eu teimo no imperativo de dar a este escritor de 83 anos a consagração merecida por ser autor de algumas das obras literárias mais interessantes da nossa contemporaneidade.

 

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