terça-feira, dezembro 01, 2020

(DL) O crepuscular capitalismo e a sua abordagem pelo género policial

 

O filho de um banqueiro suíço está em vias de ser nomeado presidente da mais importante instituição financeira do país, quando descobre a intenção da família em deserdá-lo. Que relação terá essa descoberta com um crime cometido quinze anos atrás e nunca esclarecido?

Ao mesmo tempo há um escritor, com o mesmo nome do autor do romance, que se hospeda no hotel Palace de Verbier nos Alpes Suíços e descobre não existir qualquer quarto entre os que têm os números 621 e 623 , o que o leva a procurar respostas para o enigma do crime ali acontecido. Um exercício, que o tende a compensar do desgosto de amor, que ali o levara, e do recente luto pela morte do editor, verdadeiro pai espiritual responsável pelo seu sucesso literário.

O Enigma do Quarto 622 de Joël Dicker mostra como um possível best seller pode ter alguma utilidade para espicaçar os mais distraídos dos seus leitores para questões tão relevantes como o segredo bancário e a riqueza como suporte do exercício do poder numa sociedade caracterizada pelo absurdo primado das aparências.

Igualmente bem sucedida como escritora - apesar de já ter sido diretora financeira e agora ganhar a vida como advogada penalista -, Hannelore Cayrou também reveste de pertinentes reparos politico-ideológicos a sua narrativa sobre alguns crimes ocorridos numa ilha francesa onde todos se conhecem e o ponto de partida é a descoberta feita pela herdeira da maior fortuna local das origens controversas dessa riqueza.

Em Richesse Oblige tudo terá começado com um antepassado que, em 1870, foi mobilizado para a guerra franco-prussiana, mas comprou um pobre diabo que o substituísse. Depois, influenciado pelos ideais socialistas arrepender-se-ia, julgando redimir-se com a adoção do filho daquele que mandara para a morte. Nos cem anos seguintes a família prosperara sem olhar a como nem quem, consolidando-se na mentira, na exploração e nos esquemas habilidosos para nunca ser posta em causa. Às tantas justifica-se a evocação de uma célebre máxima de Flaubert, pouco lisonjeira para o povo, porque o dá a aceitar passivamente qualquer tirano conquanto o não afastem da gamela.

Não deixa de ser elucidativo o percurso feito pela protagonista que suscita uma ou mais mortes, alegadamente na correção do mal imposto por quem lhe tinha legado os genes. E, lidos em conjunto, os dois romances demonstram como o género policial pode ser mais eficaz do que muitos ensaios apostados em denunciar as falcatruas dos que lideram o sistema financeiro internacional ou dele beneficiam. 

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